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Tribunal do Júri no Brasil: Teoria e Prática

Tribunal do Júri no Brasil: Teoria e Prática

Parte I: Panorama Histórico e Constitucional do Júri

O Tribunal do Júri brasileiro remonta a 1822, quando D. Pedro I instituiu “Juízes de Fato” para julgar crimes de imprensaportaltj.tjrj.jus.br. Em 1824, a primeira Constituição do Império já estabeleceu no artigo 151 que “o Poder Judiciário é independente, e será composto de Juízes e Jurados”portaltj.tjrj.jus.br. O Código de Processo Criminal de 1832 do Império delineou todo um rito específico para o Júri, criando conselhos de acusação e julgamentoportaltj.tjrj.jus.br. Na República, a Constituição de 1934 manteve expressamente “a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”tjrj.jus.br, reforçando seu caráter garantidor de direitos.

Durante o Estado Novo (1937-1945), a Constituição de 1937 silenciou sobre o Júri, chegando-se a dizer que essa Carta “riscou a instituição”tjrj.jus.br. No entanto, um decreto de 1938 manteve o Tribunal, ainda que com restrições – por exemplo, foi-lhe negada a plena soberania (decisões do Júri puderam ser reformadas pelos tribunais em caso de contrariedade às provas)tjrj.jus.br. A Constituição de 1946 restabeleceu plenamente o Júri como garantia fundamental, redigindo seu texto da forma mais detalhada: “É mantida a instituição do júri, […] garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”tjrj.jus.br.

As constituições seguintes mantiveram o Júri. A CF de 1967 (§18 do art.150) assegurou “mantidas a instituição e a soberania do júri” para crimes dolosos contra a vidatjrj.jus.br. A Emenda Constitucional nº 1/1969 reiterou “mantida a instituição do júri” (omitindo a palavra “soberania”)tjrj.jus.br, fato que gerou debates doutrinários sobre a continuidade do seu pleno poder decisório. A Constituição Federal de 1988 cristalizou tais diretrizes: o art. 5º, inciso XXXVIII, prevê que “é mantida a instituição do júri, […] garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos”portaltj.tjrj.jus.br. Em resumo, desde 1946 até hoje o Júri existe no ordenamento jurídico como instituição ímpar, exclusiva para crimes contra a vida, com regras rígidas de funcionamento e garantias constitucionais.

Sugestões de leitura: além das obras clássicas sobre processo penal e Júri (como Rogério Lauria Tucci, Tribunal do Júri: o mais democrático tribunal do mundo, e José Frederico Marques, O júri no direito brasileiro), recomenda-se consultar tratadistas de filosofia do direito e democracia para contextualizar a importância democrática do Júri.

Parte II: Fundamentos Filosófico-Morais do Júri

Kant e a “coisa em si”

Kant distingue fenômeno de coisa em si: conhecemos apenas aparências mediadas pela experiência, não a realidade absoluta. Em termos jurídicos, há “relação entre o nome dado às coisas e a coisa em si”emerj.tjrj.jus.br. No Júri, os fatos e provas apresentados são fenômenos interpretados pelos jurados; a verdade completa do caso (a “coisa em si” do crime) permanece inacessível. Assim, cada jurado julga com base em sua consciência dos fatos fornecidos. Esse quadro lembra a lição kantiana: diante dos limites do conhecimento, os jurados não detêm certezas absolutas, devendo decidir com honestidade intelectual e moral. Além disso, a ética kantiana de imperativo categórico reforça a ideia de que o jurado — enquanto agente livre — deve julgar pelo que considera universalmente correto, conferindo dignidade a todos os envolvidos.

Nietzsche: genealogia da moral e justiça

Nietzsche critica a ideia de valores morais absolutos. Segundo sua genealogia da moral, os conceitos de bem, mal e justiça são criações humanas históricas. Em sua análise, a justiça ocidental muitas vezes expressa ressentimento e vontade de vingança disfarçados de virtude. Como escreve uma análise crítica: “Nietzsche não acredita na existência da Justiça em si, tampouco na do Direito em si. Por acreditar na importância da Justiça e do Direito, propõe processos dinâmicos para definição de valores.”jusbrasil.com.br Ele conclui que não podemos falar de um valor justo em si mesmo, pois tudo tem origem histórica e contingentejusbrasil.com.br. Aplicado ao Júri, isso sugere que os veredictos dos jurados (seja absolvição ou condenação) carregam as visões de mundo e os valores sociais de sua época, e não refletem uma “justiça eterna”. O júri acaba então sendo um espaço de transvaloração: conceitos jurídicos (como culpa ou pena) podem ser questionados e resignificados pelas convicções íntimas dos jurados.

Foucault: poder, disciplina e punição

Michel Foucault analisa como o sistema penal evoluiu de espetáculos punitivos medievais para um aparato disciplinar moderno. Ele observa que “a pena, ao longo do tempo, deixou de ser um espetáculo público de violência para se tornar uma forma de controle e disciplina”colunastortas.com.br. A prisão tornou-se um “dispositivo de controle que visa moldar o comportamento dos indivíduos”colunastortas.com.br. No contexto do Júri, sua perspectiva alerta que todo julgamento criminal faz parte dessa “microfísica do poder”: ao chamar cidadãos comuns para decidir, o Estado delega legitimação social à sua punição. Ou seja, o Júri não é neutro; ele reproduz relações de poder. Por exemplo, as normas penais, ao entrarem em julgamento, revelam-se passíveis de questionamento pelos jurados. Foucault mostraria que, mesmo assim, o veredito reforça a ordem vigente: ele é produto de discursos jurídicos dominantes e, simultaneamente, constitui um momento disciplinador, pois ao final submete o condenado ao sistema penal.

Habermas e a democracia deliberativa

Jürgen Habermas desenvolveu a teoria da democracia deliberativa: legitima a decisão política pela comunicação racional entre cidadãos. Para ele, a democracia convencional (baseada apenas em voto) precisa ser complementada por um “procedimento ideal para a deliberação e tomada de decisão”scielo.br, onde se conjuguem informações relevantes e argumentação livre. Em seu modelo, a legitimidade das normas emana dos procedimentos comunicativos que formam a vontade coletivascielo.br. O Júri funciona como um exemplo prático dessa noção: reúne cidadãos em debate público sobre um caso concreto, fazendo emergir (pelo diálogo entre acusação e defesa) a opinião formada do coletivo. A crença de Habermas é que, se os jurados puderem ouvir informações completas e argumentar sem coerção, a decisão final tende a ser racional e justascielo.br. Em suma, o Júri é uma esfera de discurso público, uma “pequena esfera pública” deliberativa em que se busca consenso mínimo, encarnando idealmente o fundamento habermasiano de democracia participativa.

Hannah Arendt: julgamento, verdade e responsabilidade

Hannah Arendt enfatiza o papel do julgamento como atividade política e moral. Em “Responsabilidade e Julgamento”, ela defende que pensar (questionar, refletir) é a base da capacidade de julgar: sem isso, pessoas podem cometer atrocidades obedecendo ordens. Seu célebre conceito da “banalidade do mal” mostrou como o jurista (ou o próprio tribunal) não deve deixar de pensar criticamente mesmo sob autoridade. No espírito arendtiano, o Júri representa o “espaço público” em que questões fundamentais de bem e mal são debatidas por iguais. Arendt também discutiu a natureza trágica do julgamento: ao decidir sobre a vida de outro humano, incidem incertezas e dilemas morais profundos. O veredito é então o resultado de liberdade de pensamento aplicada em conjunto: juízes de fato conferem voz à coletividade, mas também arcam com as consequências de uma decisão que envolve valores e emoções.

Dworkin, Rawls e o Direito como Justiça

Para Ronald Dworkin, o direito é guiado pela integridade: juízes (e, analogamente, jurados) devem tratar todas as pessoas com respeito como portadoras de direitos morais, buscando coerência entre as leis e princípios de justiça subjacentes. John Rawls, por sua vez, defende a “justiça como equidade”: normas jurídicas devem ser justificadas por princípios imparciais escolhidos atrás de um véu de ignorância (sem saber posição social). No contexto do Júri, esses pensadores inspiram valores centrais: imparcialidade (julgar sem paixão nem preconceito) e respeito igualitário às partes. O segredo do voto e a exigência de maioria evidenciam que cada jurado deve decidir com base em princípios que poderiam valer para todos. Assim, Rawls conferiria legitimidade ao Júri na medida em que este promove decisões coletivas fundamentadas em princípios minimamente justos, e Dworkin ressaltaria a obrigação de interpretar o caso à luz dos direitos envolvidos (como defesa plena, presunção de inocência etc.), buscando consistência moral no conjunto do processo penal.

Sugestões de leitura: Kant (Crítica da Razão Pura), Nietzsche (Genealogia da Moral), Foucault (Vigiar e Punir), Habermas (Direito e Democracia), Arendt (Responsabilidade e Julgamento), Dworkin (O Império do Direito) e Rawls (Teoria da Justiça) – textos que, embora gerais, ajudam o leitor a compreender as bases filosóficas e morais do Tribunal do Júri.

Parte III: Funcionamento e Rito do Júri

Competência e princípios constitucionais

O Tribunal do Júri é órgão especial do Judiciário, previsto expressamente na Constituição como instância exclusiva para julgar crimes dolosos contra a vidaportaltj.tjrj.jus.br (homicídio, instigação ao suicídio, aborto, etc.). O art. 5º, XXXVIII, CF exige que o Júri tenha número ímpar de jurados e impõe garantias rígidas: sigilo das votações, plenitude de defesa e soberania dos veredictosportaltj.tjrj.jus.br. Isso significa que o réu desfruta de ampla liberdade para apresentar provas e falar em seu favor (plenitude da defesa), cada jurado vota de modo secreto sem necessidade de fundamentação pública, e o resultado alcançado pela maioria dos jurados só é revisto em casos muito excepcionais. Tais princípios consagram o caráter garantista do Júri, alinhado a uma democracia direta: o povo (por meio dos jurados) decide soberanamente, e o réu tem todas as oportunidades de resistir à acusação.

Composição do Conselho de Sentença

O Conselho de Sentença é formado por sete jurados sorteados entre um grupo de 25 convocadostjpr.jus.br. São cidadãos comuns, escolhidos por sorteio público, sem qualquer exigência de formação jurídica, apenas com requisitos mínimos (idade, idoneidade, etc.). Desses 25, a defesa e a acusação podem recusar até três jurados cada, mas não precisam justificar (direito de “deserção” sem motivo). O jurado não é escolhido por mérito, mas por loteria cívica, refletindo a vontade popular. De fato, “o Júri é a expressão democrática da vontade do povo” e cabe a seus membros “atuar de forma independente e magnânima”tjpr.jus.br. Em resumo, o Conselho de Sentença representa o cidadão comum no julgamento penal, decidindo em nome da sociedade. Vale lembrar que o exercício é obrigatório – o jurado convocado deve comparecer sob pena de multa – e presume-se moralmente idôneo pelo simples fato de selecionado.

Fases do julgamento

O rito do Júri segue etapas bem definidastjpr.jus.brtjpr.jus.br, que podem ser resumidas didaticamente em:

  • 1. Seleção dos jurados: Dos 25 convocados, sorteiam-se 7 para compor o Conselho (as partes dispensam até 3 jurados sorteados)tjpr.jus.br.

  • 2. Entrega do processo: Os jurados recebem cópia de relatório do processo e das principais decisões anteriorestjpr.jus.br, para estudo prévio.

  • 3. Instrução: No plenário, são ouvidas as testemunhas de acusação e defesa e realizado o interrogatório do réutjpr.jus.br. Os próprios jurados podem fazer perguntas aos presentes para esclarecer pontos duvidosos.

  • 4. Debates orais: O Promotor de Justiça começa, dispondo de até 1h30 para expor a acusaçãotjpr.jus.br. Em seguida, a defesa (advogado do réu) tem 1h30 para a contra-argumentação.

  • 5. Réplica e tréplica: Se necessário, acusação e defesa podem ter réplicas finais de até 1 hora cadatjpr.jus.br, totalizando até 2h30 de debates por parte.

  • 6. Formulação dos quesitos: Encerrados os debates, o juiz-presidente formula por escrito os quesitos (perguntas) que o Conselho votará, organizados por assunto (culpa, qualificadoras, atenuantes, etc.)tjpr.jus.br.

  • 7. Votação: Os jurados se retiram a uma sala reservada e respondem secretamente aos quesitos por meio de cédulastjpr.jus.br. As respostas são tabuladas pelo juiz logo em seguida.

  • 8. Sentença: Cumprido o quorum de votantes, o juiz anuncia o resultado. Se os quesitos principais apontarem maioria pela culpa ou absolvição, o juiz aplica a decisão: absolve ou condena segundo o veredicto dos juradostjpr.jus.br.

Em cada fase a atuação dos envolvidos é específica: o Promotor e o Advogado de Defesa apresentam argumentos e provas aos jurados; o juiz prepara a instrução e conduz a sessão de forma imparcial; o escrivão registra os atos; e o Conselho – 7 cidadãos – concentra-se apenas em julgar os fatos. É importante destacar que as sessões são públicas, mas o voto dos jurados é secreto e intransferível.

Votação, soberania e convicção íntima

A votação final é tomada por maioria simples: bastam 4 votos (de 7) concordando para que um quesito seja considerado afirmativotjpr.jus.br. Não há voto de desempate. Não se exige que os jurados fundamentem sua decisão; ela decorre de sua “convicção íntima”. Por isso, diz-se que “o júri decide por convicção íntima”: cada jurado acredita no que julga certo, mas não precisa explicar seu raciocínio. A Constituição garante também o sigilo do votoportaltj.tjrj.jus.br, impedindo pressões externas. Em razão disso, as decisões do Conselho são praticamente irreformáveis; sob o princípio da soberania, só se admite anular um júri se ficar evidente que a decisão foi totalmente contrária a todas as provas (caso raro)conjur.com.brtjpr.jus.br. Assim, seja uma absolvição inexplicável para o Promotor, seja uma condenação surpreendente para o réu, a vontade do júri – como “voto popular” – prevalece. A plenitude da defesa, o voto secreto e a soberania do veredicto tornam o Júri um instituto único: nele, a justiça é exercida diretamente pelos pares do acusado, conferindo legitimidade e, ao mesmo tempo, mistério ao resultado.

Temas sensíveis

Alguns aspectos do Júri suscitam debates delicados. As chamadas decisões contramajoritárias – em que o veredito público difere do esperado pela maioria social ou até pela lei tal como formulada – são possíveis, pois o júri não está preso a tabelas rígidas, mas à consciência. Por outro lado, a soberania dos veredictos impede recursos de mérito contra absolvições do Júri, evitando que um tribunal superior anule um julgamento popular em nome de uma interpretação legal formal. Como vimos, só há anulação se ficar claro que o veredicto foi manifestamente contrário à prova.conjur.com.br.

O sistema da convicção íntima torna a decisão dos jurados misteriosa e definitiva. Críticos apontam que a falta de fundamentação deixa o veredito sem transparência, mas defensores argumentam que isso preserva a independência dos jurados. Em qualquer caso, esse regime reforça a ideia de que o júri é um órgão eminentemente factual: ele “diz o direito” (as consequências jurídicas) após avaliar os fatos pelos critérios morais dos cidadãos.

Outro princípio básico é a plenitude de defesa. Isso significa que o réu pode usar todos os meios legais para provar inocência (testemunhas, perícias, etc.), não sofrendo as restrições comuns nos demais ritos criminais. A CF/1988, ao assegurar essa plenitude, buscou compensar a potência do Júri como instância popularportaltj.tjrj.jus.br: afinal, se o povo julga, o acusado não pode ser impedido de convencê-lo. Em suma, esses temas – soberania, convicção íntima, plenitude – mostram que o Júri é um mecanismo complexo de garantias e paradoxos, validando-se democraticamente ao mesmo tempo em que abre espaço para decisões inesperadas.

Parte IV: Aspectos Práticos, Estratégias e Casos Emblemáticos

Modelos práticos e procedimentos

Para atuação concreta, é útil ter modelos de peças e protocolos. Por exemplo:

  • Quesitação: o advogado deve sugerir quesitos claros e objetivamente formulados; muitos profissionais criam listas padrão com perguntas de direito e fato, adaptáveis a cada caso.

  • Sustentação oral: recomenda-se estrutura em etapas – introdução (contato com jurados), narrativa dos fatos sob a tese desejada, análise de provas em linguagem simples, e pedido final. É importante usar exemplos cotidianos e apelar à lógica elementar para fixar argumentos nos jurados.

  • Requerimentos: antes ou durante o júri podem ser feitos pedidos como adiamento, reconhecimento de nulidades (ex.: cerceamento de defesa), ou excisão de quesitos. O advogado deve preparar minutas para o juiz-presidente quando surgirem questões de processo ou produção de prova.

(Exemplo prático de quesito: “O réu sofreu ameaça grave que o levou à legítima defesa?”; ou de sustentação: “Imaginem a cena: duas famílias em festa, um desentendimento banal e, horas depois, um disparo fatal…” – são formas de conectar os jurados.)

Dicas estratégicas de atuação

Algumas estratégias úteis no Júri incluem:

  • Contato inicial: cumprimente jurados pessoalmente para estabelecer empatia.

  • Linguagem acessível: fale de maneira coloquial, evitando termos muito técnicos. Histórias e ilustrações ajudam a manter atenção.

  • Controle emocional: demonstre confiança na tese do cliente, mas evite gestos ríspidos ou argumentos vazios.

  • Foco nas provas-chaves: reforce sempre a prova mais favorável ao réu (ou favorável à sociedade, se for o promotor).

  • Consistência: alinhe todos os discursos (inicial, réplica, tréplica) a um mesmo enredo. A narrativa coerente marca positivamente a convicção dos jurados.

  • Preparação de jurados: embora não se conheçam previamente, observe indicações pessoais (nomes, idades ou expressões) que podem sugerir perfil ideológico. Ajuste ligeiramente o discurso ao tipo de público que se imagina – por exemplo, fundamente mais tecnicamente para um conselho de forte escolaridade, ou use mais exemplos de senso comum para perfis variados.

Casos emblemáticos

O estudo de julgamentos reais ilustra bem a teoria e a filosofia. Exemplos famosos (como os casos Richthofen, Marize Muniz, entre outros) mostraram jurados enfrentando dilemas éticos: em alguns casos absolveram réus apesar de provas materiais fortes, evidenciando que o Júri funciona também como freio social à punição automática. Cada caso levanta debates sobre a influência do clamor público, do sentimento de vingança e da autoridade do júri. Além disso, julgamentos de crimes políticos no Brasil despertaram o interesse de pensadores: raramente há Júri nesses casos, justamente pelo risco de “Justiça do povo” se sobrepor a questões de Estado. Em toda situação, os casos do Tribunal do Júri trazem à tona as tensões entre lei escrita e consciência coletiva, tema caro a Arendt e Nietzsche.

Reflexões finais

O Tribunal do Júri é, por excelência, um espaço de justiça democrática – pois as decisões saem diretamente da sociedade – e, simultaneamente, um locus de tragédia moral. Os jurados comuns assumem, em um dia de trabalho, o ônus de decidir sobre a liberdade ou condenação de outro cidadão, pesando provas, histórias e emoções. Como Kant nos lembraria, eles não têm acesso a verdades últimas; como Arendt apontaria, carregam a responsabilidade de julgar sob incerteza. A conclusão do julgamento pode surpreender: o que a maioria da sociedade consideraria óbvio nem sempre prevalece. Esse caráter imprevisível e comunitário do Júri inspira reflexões profundas. O leitor é convidado a pensar criticamente: até que ponto é justo delegar à “consciência popular” decisões tão graves? Como equilibrar o valor da autonomia democrática com a racionalidade jurídica? Em última análise, o Tribunal do Júri desafia-nos a aceitar a complexidade da justiça: nele convivem a voz do povo, a técnica legal e a inevitabilidade do erro ou da surpresa – um verdadeiro palco de debates morais, que impõe a cada jurado (e a cada cidadão observador) o exercício consciente da liberdade e do juízo crítico.

Sugestões de leitura: recomenda-se ainda obras práticas e doutrinárias, como Miguel Reale, O Tribunal do Júri; Guilherme Nucci, Tribunal do Júri – Teoria e Prática; Marcelo Osório, Manual do Júri; além de revistas jurídicas sobre casos recentes para acompanhar a evolução prática do Júri.

Paulo Moraes

Proprietário Paulo Moraes Advogados

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