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Superendividamento – Advogado Paulo Moraes

Superendividamento: Análise Jurídica e Perspectivas de Proteção ao Consumidor

O superendividamento é um fenômeno de crescente relevância no direito do consumidor, refletindo o impacto da concessão indiscriminada de crédito e a vulnerabilidade do consumidor perante o mercado financeiro. Nos últimos anos, com a expansão do crédito ao consumo, aliada a crises econômicas e à instabilidade financeira de muitas famílias, o superendividamento tornou-se uma questão central, demandando regulamentações jurídicas eficazes para a proteção dos consumidores.

Este artigo aborda os principais aspectos do superendividamento, desde sua conceituação e causas até as medidas legislativas implementadas no Brasil para enfrentá-lo, com foco na Lei 14.181/2021, também conhecida como a Lei do Superendividamento, que trouxe inovações significativas ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

1. Conceito de Superendividamento

Superendividamento pode ser conceituado como a situação em que o consumidor não consegue pagar suas dívidas sem comprometer sua subsistência e de sua família, ainda que de boa-fé. Esse conceito foi consolidado pela Lei 14.181/2021, que introduziu no artigo 54-A do CDC o seguinte entendimento:

Considera-se superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural e de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.”

Este conceito diferencia o superendividamento passivo, caracterizado pela queda de renda inesperada (desemprego, doença, separação, entre outros), do superendividamento ativo, quando o consumidor assume compromissos financeiros além de sua capacidade de pagamento. A legislação busca proteger o consumidor de ambas as formas, com especial foco no passivo, dada a imprevisibilidade das causas.

 2. Causas do Superendividamento

As causas do superendividamento são multifatoriais, combinando aspectos econômicos, sociais e comportamentais. Entre os principais fatores, destacam-se:

– Facilidade de acesso ao crédito: O mercado financeiro oferece inúmeras modalidades de crédito, muitas vezes sem exigir garantias adequadas ou verificar a capacidade de pagamento do consumidor.

– Desemprego e crise econômica: A perda de emprego ou diminuição da renda, em períodos de crise, compromete a capacidade de quitação das dívidas assumidas anteriormente.

– Juros abusivos e contratos de adesão: As altas taxas de juros no Brasil agravam o endividamento, sobretudo quando associados a contratos de adesão, nos quais o consumidor não tem oportunidade de negociar condições mais favoráveis.

Educação financeira insuficiente: A falta de conhecimento sobre a gestão financeira e sobre os riscos do crédito é um dos principais fatores que contribuem para a situação de superendividamento.

3. A Lei 14.181/2021: Avanços e Perspectivas

A promulgação da Lei 14.181/2021 trouxe importantes inovações no tratamento jurídico do superendividamento, incluindo mudanças no CDC e a criação de mecanismos para prevenir e remediar o superendividamento. Entre as principais alterações, destacam-se:

 3.1 Princípios da Boa-fé e da Função Social do Crédito

A lei reforça os princípios da boa-fé e da transparência na concessão de crédito, obrigando fornecedores a prestar informações claras, precisas e adequadas sobre as condições de pagamento, encargos e riscos financeiros. A função social do crédito também é destacada, buscando promover um equilíbrio entre o acesso ao crédito e a responsabilidade no seu uso.

3.2 Mínimo Existencial

Um dos avanços mais significativos da Lei 14.181/2021 é a garantia do *mínimo existencial*, previsto como o valor mínimo que deve ser preservado para a subsistência do devedor e sua família, impedindo que suas condições básicas de vida sejam comprometidas pelo pagamento de dívidas.

A regulamentação do mínimo existencial ainda está em discussão, mas a previsão legal visa assegurar que, ao renegociar suas dívidas, o consumidor não seja levado a uma situação de completa insolvência.

 3.3 Repactuação de Dívidas

A lei estabelece o direito à renegociação das dívidas, em processos judiciais ou extrajudiciais, possibilitando a repactuação de prazos e valores, sempre respeitando o mínimo existencial. Nos termos da nova legislação, o consumidor pode solicitar uma revisão geral de suas dívidas e apresentar um plano de pagamento, desde que esteja de boa-fé e disposto a quitar seus débitos.

3.4 Prevenção ao Superendividamento

Outra inovação é a criação de mecanismos preventivos, como a obrigatoriedade de advertências quanto aos riscos do superendividamento e a necessidade de maior controle e avaliação da capacidade de pagamento dos consumidores, antes da concessão de crédito.

4. Superendividamento e o Papel do Judiciário

O Judiciário tem papel central na aplicação das novas regras, especialmente na mediação de conflitos entre consumidores e credores. A introdução dos juizados especiais de superendividamento permite uma abordagem mais célere e menos burocrática para a resolução de litígios, garantindo que o consumidor tenha acesso a uma solução justa e equilibrada.

Os tribunais têm demonstrado sensibilidade ao tema, adotando uma interpretação favorável à proteção do consumidor superendividado. Decisões recentes têm garantido o respeito ao mínimo existencial e incentivado a renegociação de dívidas, promovendo a reinclusão social e econômica do devedor.

5. Educação Financeira: Um Pilar Fundamental

A legislação não se limita às medidas corretivas, mas também enfatiza a importância da *educação financeira* como medida preventiva. O artigo 4º, IV, do CDC, agora modificado pela Lei 14.181/2021, inclui a promoção de educação financeira e ambiental como princípio básico das relações de consumo. A medida visa capacitar os consumidores para o uso consciente do crédito e para a gestão financeira de suas despesas.

 6. Considerações Finais

A Lei 14.181/2021 representa um avanço significativo na proteção ao consumidor superendividado no Brasil, trazendo inovações que equilibram o direito de acesso ao crédito com a necessidade de responsabilidade e transparência nas relações financeiras. No entanto, desafios permanecem, especialmente em relação à regulamentação do mínimo existencial e à implementação efetiva dos mecanismos de repactuação de dívidas.

O enfrentamento do superendividamento exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo não apenas o Judiciário e os legisladores, mas também instituições financeiras, órgãos de defesa do consumidor e a própria sociedade. A promoção de educação financeira e a conscientização sobre os riscos do endividamento excessivo são pilares fundamentais para prevenir novas crises de superendividamento, garantindo uma economia mais sustentável e uma sociedade mais justa.

Referências

– Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Altera o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento do consumidor.
– NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
– GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume IV: Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2020.
– SCHREIBER, Anderson. *Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O Princípio da Vulnerabilidade no Direito Privado*. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021.

Paulo Moraes

Proprietário Paulo Moraes Advogados

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