Juiz Não Pode Restrigir Liberação de Valor para Pagamento de Honorários Advocatícios
O direito à remuneração adequada e tempestiva dos advogados é uma prerrogativa fundamental que não deve ser violada por decisões judiciais que extrapolam os limites legais. No caso de bloqueio universal do patrimônio de um cliente por decisão judicial, conforme estabelece o artigo 24-A do Estatuto da Advocacia, o advogado tem direito à liberação de até 20% do valor bloqueado para o recebimento de honorários. A tentativa de restringir essa prerrogativa por parte do magistrado configura uma violação das garantias da advocacia e da livre pactuação contratual.
Essa questão foi recentemente objeto de análise pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu provimento ao recurso em mandado de segurança impetrado pelo escritório Iokoi e Paiva Advogados contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a qual havia limitado indevidamente a liberação dos honorários pactuados.
O Caso Concreto e a Decisão do STJ
No caso em questão, o cliente do escritório, alvo de investigações em fase inicial, teve mais de R$ 15 milhões em patrimônio bloqueado judicialmente. Em contrato, ficou estabelecido que o escritório receberia R$ 1,3 milhão pelos serviços prestados. No entanto, o TJ-SP entendeu que o montante solicitado como liberação seria desproporcional ao estágio das investigações, determinando a liberação de apenas R$ 500 mil, com base em uma avaliação discricionária da proporcionalidade entre os honorários e o momento do processo investigativo.
Contudo, o artigo 24-A do Estatuto da Advocacia é claro ao assegurar a liberação de até 20% dos bens bloqueados para o pagamento dos honorários advocatícios. Nesse contexto, a decisão do TJ-SP, ao impor uma restrição baseada na suposta “disproporcionalidade” do valor liberado, violou a legislação e a autonomia contratual das partes envolvidas.
A Interpretação Legal do Limite de 20%
Ao analisar o recurso, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do caso no STJ, enfatizou que a legislação não confere discricionariedade ao juiz para definir ou limitar a porcentagem de liberação de valores para pagamento de honorários dentro do limite de 20% do patrimônio bloqueado. Segundo o relator, a única limitação imposta pelo legislador é justamente que a liberação não deve ultrapassar o limite de 20% dos bens bloqueados, garantindo assim a justa remuneração dos serviços advocatícios sem prejuízo à possibilidade de reparação de danos e à restituição de bens eventualmente obtidos de forma ilícita.
Nesse sentido, o uso do termo “até 20%” indica, segundo a interpretação do relator, que se os honorários contratados estiverem abaixo desse percentual, os valores devem ser liberados integralmente. O dispositivo visa, portanto, a proteger os honorários advocatícios e garantir que sejam satisfeitos, desde que respeitado o teto legal.
A Violação da Autonomia Privada e a Preservação da Ordem Jurídica
A decisão do STJ reitera a importância da autonomia da vontade entre as partes ao firmarem contratos de prestação de serviços advocatícios. Se, no âmbito contratual, as partes definiram que o pagamento de honorários se daria durante a fase investigativa, não cabe ao juiz questionar a razoabilidade dessa estipulação. Tal interferência configuraria um desrespeito à ordem jurídica e à autonomia privada das partes, que é um dos pilares do Estado de Direito.
Assim, o STJ deixou claro que o magistrado não pode se valer de argumentos sobre a fase embrionária das investigações para interferir no pagamento dos honorários quando este já foi previamente ajustado entre advogado e cliente. A decisão deve respeitar o contrato e observar o limite legal, preservando a justa remuneração do advogado, figura essencial para a garantia do direito de defesa e do devido processo legal.
Conclusão
O precedente firmado pela 5ª Turma do STJ é um marco importante para assegurar o direito dos advogados ao recebimento de honorários em casos de bloqueio judicial de bens. A interpretação restritiva da legislação por parte do TJ-SP, ao limitar a liberação de valores, foi corrigida em prol da preservação da ordem contratual e das prerrogativas dos advogados.
A decisão reitera que o direito aos honorários é parte integrante da garantia do exercício pleno da advocacia, resguardando a liberdade contratual e protegendo os advogados contra interferências indevidas, especialmente em um contexto em que o bloqueio de bens se tornou uma medida comumente aplicada. Em suma, o entendimento do STJ visa reafirmar a posição da advocacia como elemento essencial à administração da justiça, com direitos que não podem ser arbitrariamente restringidos.