Paulo Moraes Advogados

Proporcionalidade Lavagem de Dinheiro na Contravenção Penal – Advogado Paulo Moraes

LAVAGEM DE DINHEIRO – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA CONTRAVENÇÃO PENAL – APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.

  • ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA  A lavagem de dinheiro apresenta uma divergência doutrinária quanto à sua origem. Alguns estudiosos a rastreiam até o Império Romano, quando se usavam artifícios para esconder o valor real dos bens, evitando assim tributação e confisco. No entanto, eu me filio à análise histórica que aponta para a década de 1920, durante a Lei Seca, como o verdadeiro berço da prática. Naquela época, mafiosos buscavam conferir uma aparência de legalidade aos recursos provenientes de contrabando de álcool, jogos de azar, prostituição e extorsões. Para isso, constituíam negócios legítimos que permitiam a movimentação desses valores de forma a apresentar uma fachada de legalidade. Entre esses empreendimentos, estavam as lavanderias pertencentes ao famoso mafioso Al Capone, cuja história foi imortalizada no filme “Os Intocáveis. Essas lavanderias, utilizadas pela máfia nos Estados Unidos, deram origem ao termo amplamente utilizado “lavagem de dinheiro”. Al Capone, também conhecido como Scarface e chefe da organização criminosa em Chicago, apesar de estar envolvido em diversas atividades ilegais, foi preso e condenado por crimes fiscais. A partir desse momento, as autoridades americanas começaram a utilizar crimes financeiros como uma forma de processar criminosos para os quais não conseguiam reunir provas diretas de crimes mais violentos. ESCALADA DO CRIME ORGANIZADO  Na década de 1940, as organizações criminosas começaram a direcionar maior atenção ao tráfico de drogas. Ao longo da história, esse tráfico frequentemente esteve associado a outras atividades criminosas que o complementam ou sustentam, como tráfico de armas, tráfico de pessoas, sequestros, crimes violentos, crimes patrimoniais, extorsão, crimes financeiros, corrupção e lavagem de dinheiro. Em outras palavras, essas organizações criam redes criminosas que se retroalimentam, explorando as fragilidades econômicas e sociais. O tráfico de drogas provocou uma escalada considerável na criminalidade nos EUA, que, na década de 1960, colocou os holofotes sobre o problema da criminalidade nacional e transnacional. Esse mercado tornou-se extremamente lucrativo, e os membros dessas organizações criminosas perceberam que a melhor maneira de proteger os valores adquiridos por atividades ilegais era mantê-los fora do alcance estatal. Assim, iniciou-se a prática de evasão de divisas para paraísos fiscais. Esses paraísos fiscais ganharam força após a Primeira Guerra Mundial, quando a Suíça estabeleceu um rigoroso sistema fiscal bancário. No entanto, na década de 1960, esses paraísos se multiplicaram com a globalização e o crescente interesse de empresas e indivíduos em proteger seus ativos e reduzir suas obrigações fiscais. MOMENTOS HISTÓRICOS, RESPOSTAS INTERNACIONAIS E REGULAMENTAÇÕES Diante desse cenário, em 1970 foi promulgada a lei Bank Secrecy Act (BSA), também conhecida como Currency and Foreign Transactions Reporting Act (Lei de Relatórios de Transações Monetárias e Estrangeiras). O objetivo da lei é prevenir e combater a lavagem de dinheiro e crimes financeiros, aumentando a transparência das atividades financeiras. A lei exige que as instituições financeiras monitorem atividades suspeitas e reportem essas informações aos órgãos governamentais. Além disso, tornou-se obrigatório que as instituições financeiras relatem todas as transações acima de 10.000 dólares, coletando e armazenando dados que permitam identificar os indivíduos que realizam essas transações.

Ainda na década de 1970, os chefes do tráfico de drogas Pablo Escobar e a Família Ochoa fundaram o Cartel de Medellín, que se tornou um dos maiores traficantes de cocaína do mundo. Pablo Escobar chegou a figurar por sete anos consecutivos na lista da Forbes, mantendo a sétima colocação. O negócio se tornou tão lucrativo que Escobar enfrentou dificuldades para lavar o dinheiro na mesma velocidade com que o ganhava, levando-o a enterrar e alocar grandes quantias em espécie em suas propriedades.

Em 1971, o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, declarou a “GUERRA ÀS DROGAS”, afirmando que as drogas eram o inimigo público número 1 dos EUA. Para enfrentar esse desafio, ele criou o Office of National Drug Control Policy (Escritório de Política Nacional do Controle de Drogas). Em 1973, foi estabelecida a agência federal DEA (Drug Enforcement Administration), como parte das ferramentas para combater o tráfico de drogas.

A política criminal de Nixon foi amplamente criticada por resultar em encarceramento em massa e evidenciar disparidades raciais, exacerbando a desigualdade social. Além disso, essa abordagem elevou a violência associada ao tráfico de drogas e impôs uma metodologia mais complexa e sofisticada para o tráfico e a lavagem de dinheiro.

Como forma de combater o crime dos cartéis, em 1986 os EUA editaram a Anti-Drug Abuse Act, que criminalizou a lavagem de dinheiro por meio das Money Laundering Statutes. Acreditava-se que, ao combater e impossibilitar a movimentação de recursos financeiros, a atividade criminosa seria inviabilizada, tornando-a regionalizada e diminuindo a capacidade de obter lucro, que é o principal objetivo dessa atividade criminosa. Com isso, esperava-se desmotivar as condutas delitivas.

Em menos de dois anos após a criação da Anti-Drug Abuse Act, foi realizada em Viena, na Áustria, a CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS. O objetivo da convenção era fortalecer e ampliar o combate ao tráfico de entorpecentes de forma global, propondo e promovendo a cooperação entre as nações para um combate efetivo e eficaz ao tráfico de entorpecentes e à lavagem (branqueamento) de capitais derivadas desses crimes.

Foi estabelecido na Convenção que os signatários devem adotar medidas legais e administrativas para criminalizar o tráfico de drogas, bem como a lavagem de capitais derivadas dessas atividades. Em relação à lavagem de dinheiro, a convenção exige que os países criminalizem a conversão ou transferência de bens provenientes de atividades de tráfico de drogas, com o objetivo de ocultar ou dissimular sua origem ilícita. Isso inclui a ocultação da verdadeira origem, natureza, localização, disposição ou movimentação de bens que resultam de crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes.

A Convenção de Viena foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro em 1991, através do Decreto nº 154 de junho de 1991. A partir desse decreto, as disposições da convenção passaram a ter força de lei no Brasil. Da leitura de seu preâmbulo, é possível extrair o momento histórico que influenciou sua edição e os objetivos que pretendia atingir:

  • Profundamente preocupadas com a magnitude e a crescente tendência da produção, da demanda e do tráfico ilícitos de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, que representam uma grave ameaça à saúde e ao bem-estar dos seres humanos, e que têm efeitos nefastos sobre as bases econômicas, culturais e políticas da sociedade;
  • Reconhecendo os vínculos existentes entre o tráfico ilícito e outras atividades criminosas organizadas relacionadas, que minam as economias lícitas e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados;
  • Conscientes de que o tráfico ilícito gera consideráveis rendimentos financeiros e grandes fortunas, permitindo às organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas da administração pública, as atividades comerciais e financeiras lícitas e a sociedade em todos os seus níveis.

Em 1989, foi criado o GAFI/FATF (Grupo de Ação Financeira Internacional – Financial Action Task Force), um grupo formado pelo G7, que na época consistia nos sete países mais ricos do mundo. O objetivo do GAFI é desenvolver políticas e implementar medidas de combate à lavagem de dinheiro. Em outubro de 2001, após os atentados de 11 de setembro, o mandato do GAFI foi expandido para incluir o combate ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa.

  • Inicialmente, foram desenvolvidas 40 recomendações do GAFI, focadas principalmente na lavagem de dinheiro. Após os atentados de 11 de setembro, foram adicionadas 8 novas recomendações especiais sobre financiamento ao terrorismo. Essas recomendações foram reconhecidas pelo FMI e pelo Banco Mundial como padrões internacionais, conferindo-lhes efetividade. Em 2012, as recomendações foram revisadas e passaram a ser novamente 40, embora mantendo sua amplitude no campo de atuação.
  • As recomendações são atualizadas regularmente para abranger novas tipologias de crimes financeiros, devido aos avanços tecnológicos e à globalização, como é o caso das criptomoedas. O GAFI realiza avaliações por meio de um processo de avaliação mútua, onde especialistas internacionais revisam a legislação e as práticas dos países para verificar conformidade técnica e efetividade. Os países que não cumprirem as normas podem ser incluídos na lista negra ou na lista cinza. A lista cinza inclui países com deficiências na implementação, mas que se comprometem a corrigir falhas, enquanto a lista negra inclui países que não implementam as medidas e não se comprometem com a correção, recebendo restrições financeiras.
  • O GAFI está presente em mais de 200 jurisdições ao redor do mundo, criando mecanismos de cooperação internacional e demonstrando sua eficiência em estabelecer padrões globais para o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
  • O Brasil começou a adotar medidas de combate à lavagem de dinheiro em 1990, alinhando-se ao contexto internacional e às 40 recomendações iniciais. Em 1999, o Brasil ingressou no GAFILAT (Grupo de Ação Financeira da América Latina), um organismo internacional que segue as diretrizes do GAFI. Em 2000, foi estabelecido um marco com a criação da Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei nº 9.613/1998, que estabelece medidas para prevenir e reprimir a lavagem de dinheiro. Entre as medidas de prevenção está a criação do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que é a UIF (Unidade de Inteligência Financeira) do país.
  • A Lei nº 9.613/1998 é considerada uma lei de segunda geração, pois criou um rol taxativo de crimes antecedentes elencados no artigo 1º da referida lei, incluindo tráfico de drogas, terrorismo, tráfico de armas, crimes contra o sistema financeiro, crimes contra a administração pública e crimes praticados por organizações criminosas. A lei estipula penas para aqueles que ocultarem ou dissimularem a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedades de bens, direitos ou valores derivados da prática desses crimes antecedentes.
  • Entre as medidas legislativas impostas pela Lei nº 9.613/1998, está a definição de pessoas obrigadas a cumprir medidas preventivas contra a lavagem de dinheiro. Essas pessoas e entidades estão listadas no artigo 9º e seus incisos da norma supracitada, incluindo instituições financeiras, seguradoras, bolsas de valores, administradoras de cartões e consórcios, entre outras. No entanto, a lei ainda não mencionava profissionais liberais como contadores, advogados, auditores e tabeliães.
  • O Grupo Egmont é uma rede internacional de Unidades de Inteligência Financeira (UIFs) criada em 1995, com mais de 150 países membros. Seu objetivo é cooperar e facilitar a troca de informações e operações conjuntas, oferecer apoio técnico e capacitação, e promover melhores práticas e plataformas de colaboração. O Brasil participa do Grupo Egmont por meio do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) – UIF, que permite a troca de informações com todos os membros do grupo.

Em outubro de 2003, motivada por diversos casos de corrupção multinacional, como o notório caso da empresa alemã Siemens em 2000, ocorreu a CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO NA CIDADE DE MÉRIDA, NO MÉXICO. Esta convenção se tornou o principal tratado internacional para a prevenção e criminalização da corrupção, propondo a cooperação entre as nações e mecanismos para a recuperação de ativos.

  • O Brasil ratificou a Convenção de Mérida em 15 de junho de 2005, considerando que a convenção entrou em vigor em 14 de dezembro de 2005, e foi promulgada pelo Decreto nº 5.687 de 31 de janeiro de 2006, com status de norma supralegal, posicionando-se acima das normas ordinárias e abaixo da Constituição. O status do decreto deve ser analisado em relação ao conceito de direitos humanos, pois para manter o status de norma supralegal, deveria possuir características de direitos humanos. O quórum de votação aprovado por maioria simples pode implicar que, ao perder essas características de direitos humanos, a norma se tornaria ordinária. A doutrina é pacífica ao afirmar que a corrupção afronta diretamente os direitos humanos, impondo assim característica de a norma de status de lei supra legal.

A LEI Nº 12.683, APROVADA EM 2012, trouxe alterações significativas, fortalecendo o combate à lavagem de dinheiro. Entre as principais alterações está a ampliação do cerne da lei, anteriormente focado em um rol de ilícitos e considerado uma norma de segunda geração, para uma norma de terceira geração, que agora abrange todos os crimes e contravenções penais capazes de gerar recursos ou bens ilícitos. Essas alterações geraram questionamentos quanto à proporcionalidade, partindo da premissa de que contravenções penais são descritas pelo ordenamento jurídico brasileiro como infrações de menor potencial ofensivo ou menor gravidade. Assim, pode-se questionar se a pena para a lavagem de dinheiro, que é considerada um crime grave e autônomo, mas ainda secundário, é proporcional. A lavagem de dinheiro requer a origem ilícita dos recursos ou bens para configurar o crime, E AS PENAS NO BRASIL SÃO DE 3 A 10 ANOS, o que pode parecer desproporcional frente a delitos antecedentes de menor gravidade. Portugal estabelece penas para a lavagem de dinheiro que variam de dois a doze anos, conforme o artigo 368 do Código Penal (CP). A pena pode ser aumentada em um terço caso o crime seja cometido de forma habitual, conforme o artigo 368, § 6. Por outro lado, a pena pode ser atenuada se houver reparação integral ou parcial do dano causado pelo crime antecedente, conforme o artigo 368, § 7. Para garantir a proporcionalidade, a pena não pode exceder o limite máximo da pena mais alta prevista para os crimes antecedentes, como estipulado no artigo 368, § 10. Os crimes antecedentes são definidos como aqueles que originam o produto que será lavado. O Código Penal Português lista uma variedade de crimes que podem servir de base para a lavagem de dinheiro, incluindo crimes contra o patrimônio (como roubo e furto), crimes de tráfico de drogas, crimes de corrupção, entre outros. A legislação sobre crimes antecedentes está contemplada no artigo 368 do Código Penal Português. A pena para lavagem de dinheiro é ajustada com base na gravidade dos crimes antecedentes e nas circunstâncias específicas do caso. Na Itália, a pena para a lavagem de dinheiro varia de QUATRO A DOZE ANOS, acrescida de multa, conforme o artigo 648-bis do Código Penal. A pena é agravada quando a lavagem faz parte do exercício de uma atividade profissional, mas é reduzida se os valores ocultados provêm de delitos com pena máxima inferior a cinco anos. Em casos de autolavagem, onde o agente que oculta o patrimônio é também o responsável pelo crime antecedente, a pena é menor, de acordo com o artigo 648-ter. A conduta é considerada impunível se os valores ocultados forem destinados apenas ao consumo pessoal. Na Alemanha, a pena para a lavagem de dinheiro varia de TRÊS MÊSES A CINCO ANOS, com uma forma qualificada do delito que pode resultar em penas DE SEIS MESES A DEZ ANOS, quando o crime é praticado de maneira profissional ou por meio de um grupo criminoso, conforme o § 261 do Código Penal (CP). Interessantemente, o § 261, § 9 permite isenção de pena para aqueles que reportarem voluntariamente o crime à autoridade antes de sua descoberta, § 261 do Código Penal Alemão (Strafgesetzbuch – StGB) aborda a lavagem de dinheiro e menciona a necessidade de que o crime antecedente seja de um tipo específico para que se configure o crime de lavagem de dinheiro. Na Espanha, a pena é de SEIS MESES A SEIS ANOS DE PRISÃO, ACRESCIDA DE MULTA, conforme o artigo 301 do Código Penal. Esta pena pode ser elevada se os recursos forem provenientes de delitos relacionados com o tráfico de drogas ou outros crimes especificados em lei, ou se o crime for praticado por meio de uma organização criminosa, conforme o artigo 302. Na Argentina, a pena para lavagem de dinheiro é DE SEIS MESES A TRÊS ANOS, conforme o artigo 277 do Código Penal. Esta pena pode ser aumentada até o dobro em casos de crimes antecedentes de especial gravidade, ou quando houver ânimo de lucro, habitualidade, ou se o autor for um funcionário público. Crimes Antecedentes para a lavagem de dinheiro incluem tráfico de drogas, corrupção, roubo, extorsão e outros delitos graves que geram ganhos ilícitos. No México, a pena para a lavagem de dinheiro varia de CINCO A QUINZE ANOS DE PRISÃO E MULTA DE MIL A CINCO MIL DIAS DE SALÁRIO. A pena é aumentada em um terço a metade quando o agente é conselheiro, administrador, funcionário, empregado, ou prestador de serviços de qualquer entidade obrigada a medidas de prevenção de lavagem de dinheiro. A pena é duplicada se o agente for um funcionário público ou responsável por prevenir, detectar, denunciar, investigar ou julgar tais delitos, conforme o artigo 400, bis, I do Código Penal. Na Colômbia, as penas para lavagem de dinheiro variam de dez a trinta anos de prisão e multa de mil a cinquenta mil salários mínimos, conforme o artigo 323 do Código Penal. A pena é aumentada de um terço a metade quando o delito envolve operações de câmbio, comércio exterior, ou a introdução de mercadorias estrangeiras no país. O aumento também se aplica quando a conduta é praticada por membros de pessoas jurídicas, sociedades ou organizações dedicadas à lavagem de dinheiro. Além disso, a pena pode ser aumentada de metade a três quartos quando praticada pelos chefes, administradores ou encarregados dessas entidades, conforme o artigo 324. Crimes Antecedentes incluem tráfico de drogas, corrupção, extorsão, roubo e outros crimes graves que resultam em produtos ilícitos. Conclui-se que a aplicação do crime de lavagem de dinheiro no Brasil, com pena severa, precisa considerar a proporcionalidade frente à gravidade dos delitos. Anteriormente, a lei se focava em crimes graves (dos quais originaram), como tráfico de entorpecente e humano, terrorismo, cartéis e crimes organizados, mas agora se estende a contravenções penais de menor gravidade com penas básicas inferiores. Isso levanta a questão: o “remédio está proporcional à doença”? O mesmo instrumento utilizado para reprimir e combater crimes graves agora é usado para punir contravenções de menor gravidade. A pena abstrata de 3 a 10 anos para lavagem de dinheiro é adequada para crimes de natureza tão distinta? É necessário avaliar a proporcionalidade e considerar uma expansão das penas, permitindo ao juiz uma sentença mais razoável e proporcional.  No Brasil, a prática de utilizar contravenções penais como crimes antecedentes para a lavagem de dinheiro reflete uma abordagem que busca abranger uma gama mais ampla de condutas puníveis. No entanto, isso pode levar a resultados desproporcionais, especialmente quando a pena para a lavagem de dinheiro não considera adequadamente a gravidade do crime antecedente. Um princípio que poderia ser adotado é o de limitar a pena para a lavagem de dinheiro de forma a não exceder o limite máximo da pena para o crime antecedente, como observado em países como Portugal. Essa abordagem assegura que a punição para a lavagem de dinheiro seja proporcional à gravidade do crime de origem, promovendo uma justiça mais equilibrada e adequada ao nível de culpabilidade do agente. Comparativamente, muitos países adotam sistemas de pena que refletem uma graduação mais moderada em relação às penas mínimas e máximas para a lavagem de dinheiro, que muitas vezes são mais baixas do que as previstas no Brasil. Por exemplo, na Alemanha, a pena para a lavagem de dinheiro varia de três meses a cinco anos, e, mesmo em casos qualificados, a pena máxima é de dez anos (§ 261, StGB). E na Espanha, a pena é de SEIS MESES A SEIS ANOS DE PRISÃO, ACRESCIDA DE MULTA, conforme o artigo 301 do Código Penal Outro aspecto da Lei nº 12.683 de 2012 que merece uma análise criteriosa é a ampliação do rol das pessoas sujeitas às obrigações de prevenção à lavagem de dinheiro. A lei expandiu a lista de setores obrigados a implementar políticas de prevenção, incluindo a identificação dos clientes e a manutenção de registros de operações suspeitas a serem comunicadas ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). A ampliação agora inclui setores como joalherias, empresas de bens de luxo, obras de arte, bens de alto valor, empresas envolvidas na promoção imobiliária ou construção civil, corretores de imóveis, e comerciantes de bens de grande valor, como veículos, aeronaves e embarcações. Esta ampliação trouxe mais responsabilidades a setores que não estavam previamente listados, como advogados, contadores e outros profissionais que atuam como intermediários em operações financeiras e comerciais envolvendo recursos ilícitos. O Art. 9º da lei, em seu inciso XIV, não menciona expressamente os advogados, mas pode estar indiretamente relacionado a operações financeiras ou imobiliárias suspeitas: XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:

  1. a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;
  2. b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;
  3. c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;
  4. d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;
  5. e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e
  6. f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;

Fica evidente o conflito normativo entre o dever de informar imposto pela Lei nº 12.683 de 2012 e o Estatuto da OAB, que em seu Art. 7º, inciso XIX, estabelece o dever de sigilo para advogados. Esse é um tema sensível e deve ser abordado com cautela. Como advogado de defesa garantista, considero crucial preservar o direito à ampla defesa e ao devido processo legal. No entanto, se o advogado não estiver no exercício da sua atividade de defesa judicial ou consultoria jurídica, ele tem a obrigação de informar. A Lei de Lavagem de Dinheiro, na modalidade de ocultação, é classificada como um crime permanente, o que gera várias interpretações sobre a aplicação da lei ao longo do tempo. O entendimento predominante é que o crime de ocultação e dissimulação continua enquanto a atividade de ocultação persistir. Em termos mais claros, a contagem do prazo prescricional só começa quando a prática ilegal cessa. Esse status de crime permanente tem impactos significativos na aplicação da lei. Mudanças legislativas podem resultar na aplicação de penas mais severas para fatos ocorridos antes da nova lei. A Lei nº 12.683/2012 trouxe alterações importantes, como a eliminação do rol de crimes antecedentes. Agora, todos os crimes e contravenções penais podem ser considerados crimes antecedentes. Dessa forma, os bens ocultados anteriormente, que não eram considerados crimes antecedentes, agora são abrangidos pela nova legislação devido ao caráter permanente do crime. Essa abordagem não viola o princípio da irretroatividade da lei mais severa, conforme o Art. 5º, XL da Constituição (a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu), pois, no caso de crimes permanentes como a ocultação, a infração persiste enquanto a conduta estiver ativa. A doutrina crítica ao crime permanente de lavagem de dinheiro reflete sobre a dificuldade de determinar o momento exato em que o crime de ocultação cessa, especialmente dada a complexidade dos crimes econômicos transnacionais. Isso pode levar a incertezas jurídicas e a uma possibilidade indefinida de punição, aumentando o poder do Estado para investigar e processar crimes, pois os limites da prescrição não são claros. De acordo com a teoria de Claus Roxin, “delitos permanentes são aqueles em que o delito não está concluído com a realização do tipo, mas se mantém pela vontade delitiva do autor enquanto subsistir o estado antijurídico criado por ele” (ROXIN, Claus. Derecho Penal, p. 329). Delitos instantâneos ocorrem quando a conduta criminosa se esgota em um único ato ou momento. Por outro lado, o crime instantâneo com efeito permanente ocorre quando a conduta se esgota imediatamente, mas seus efeitos perduram no tempo. Ao considerar o crime instantâneo com efeito permanente na lavagem de dinheiro, se uma pessoa realiza uma transferência para ocultar valores e não realiza mais movimentações com esse objetivo, de acordo com Claus Roxin, o crime se consuma naquele instante, havendo apenas efeito permanente da conduta. Isso implicaria na contagem do prazo prescricional, contrastando com a visão tradicional e o entendimento majoritário e jurisprudencial de que o crime é permanente.

Conclusão

A evolução histórica e normativa da lavagem de dinheiro revela uma trajetória complexa e multifacetada, que reflete a crescente sofisticação e abrangência do crime financeiro ao longo das décadas. Desde suas origens controversas, que remontam a práticas antigas de ocultação de bens até os mais recentes avanços legislativos e internacionais, a prática de lavagem de dinheiro tem sido um desafio contínuo para as autoridades e sistemas financeiros ao redor do mundo. Nos anos 1920, com a Lei Seca nos Estados Unidos, o conceito de lavagem de dinheiro começou a se solidificar, quando criminosos como Al Capone utilizavam métodos engenhosos para disfarçar a origem ilícita de seus recursos. Esse período marcou o início da prática moderna, que ganhou maior visibilidade e complexidade com a ascensão do tráfico de drogas e a globalização dos mercados financeiros. A resposta internacional e normativa à lavagem de dinheiro evoluiu consideravelmente desde então. A criação de leis como o Bank Secrecy Act de 1970, e a subsequente adoção de legislações rigorosas em resposta ao aumento do crime organizado e ao tráfico de drogas, estabeleceram as bases para um combate mais sistemático e coordenado. As medidas tomadas incluíram a promulgação de leis nacionais específicas, como a Anti-Drug Abuse Act e a Lei de Lavagem de Dinheiro no Brasil, bem como a implementação de convenções internacionais e a formação de organismos como o GAFI. Essas iniciativas foram cruciais para melhorar a transparência financeira e aumentar a cooperação internacional. A Convenção de Viena de 1988 e a Convenção de Mérida de 2003 exemplificam o compromisso global em enfrentar a lavagem de dinheiro e a corrupção, reforçando a importância da colaboração entre países para alcançar uma efetiva neutralização dos recursos ilícitos. A legislação mais recente, como a Lei nº 12.683/2012 no Brasil, demonstrou um avanço significativo, abordando uma gama mais ampla de crimes e ampliando a lista de setores obrigados a adotar medidas preventivas. No entanto, essa expansão também trouxe desafios, especialmente no que tange à proporcionalidade das penas e à aplicação de medidas de prevenção em setores que não estavam previamente incluídos. A necessidade de equilibrar a eficácia da lei com a proteção dos direitos e a justiça é um tema central nas discussões atuais. A evolução contínua das práticas de lavagem de dinheiro, impulsionada pela inovação tecnológica e a globalização, exige uma abordagem flexível e dinâmica. O aprimoramento das normas e a implementação de novas estratégias são essenciais para enfrentar as novas formas de crime financeiro que emergem constantemente. O combate à lavagem de dinheiro não é apenas uma questão de aplicar leis, mas de adaptar e evoluir essas leis para responder eficazmente às ameaças emergentes. Bibliografia

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  • PINTO, Edson. Lavagem de Capitais e Paraísos Fiscais. São Paulo: Atlas, 2007. 263 p.
  • Porque a Lavagem de Dinheiro é Crime? Revista Exame. Redação, 2015. Consulta feita em 27/08/2018 às 11:00 horas. Disponível em: Exame.
  • Saiba Mais Sobre as Brigadas Vermelhas. Jornal Extra, 2010. Consulta feita em 27/08/2018 às 16:00 horas. Disponível em: Jornal Extra.
  • Sindicato do Crime. Revista Super Interessante. Redação, 2008. Consulta feita em 25/08/2017. Disponível em: Super Interessante.
  • SOUSA, Rainer Gonçalves. Lei Seca nos Estados Unidos. Bol Mundo Educação. Consulta feita em 28/08/2018. Disponível em: Mundo Educação.
  • URIBE, Rodolfo. Change Paradigms on Money Laundering. The Observer News. Inter-American Observatory On Drugs. Organization of American States, Washington DC, 2003. Disponível em: Observer News.
  • WOLOSZYN, André Luís. O Financiamento do Terrorismo Internacional: A Complexidade Face à Globalização dos Mercados Econômicos. Misión Jurídica Revista de Derecho y Ciencias Sociales. Universidad Colegio Mayor de Cundinamarca, 2016. Colômbia. Consulta feita

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