Paulo Moraes Advogados

Independência das instâncias

  1. Interdependência das Instâncias Sancionatórias e a Tutela Penal de Bens Jurídicos na Ordem Constitucional Brasileira

Por Paulo Moraes, advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal Econômico, presidente da Comissão ODS-ESG e Compliance da OAB/PA 1. Introdução A tradição jurídica brasileira consagrou, por décadas, o paradigma da independência entre as esferas sancionatórias – penal, civil e administrativa. Contudo, os desafios contemporâneos trazidos pela complexidade dos delitos econômicos e a expansão da Administração Pública regulatória impõem nova leitura sistêmica, que privilegia a interdependência funcional das instâncias, sem subverter garantias fundamentais como o ne bis in idem e a segurança jurídica. Este artigo propõe uma análise crítica sobre a compatibilidade constitucional dessa interdependência, os limites da comunicabilidade entre decisões e as implicações práticas no Direito Penal Econômico. 2. A Superação da Incomunicabilidade Clássica e a Unidade do Ordenamento Jurídico A separação de instâncias, embora inspirada na separação dos poderes, deve hoje ceder espaço a uma visão dialógica e colaborativa entre Judiciário, Administração e Ministério Público. Conforme aponta a doutrina de Cass Sunstein e Adrian Vermeule (2003), as agências especializadas estatais detêm maior aptidão técnica para interpretar e aplicar normas em seus respectivos campos, desde que em conformidade com os parâmetros constitucionais e sob controle judicial. A teoria da unidade do injusto penal, desenvolvida por Francisco de Assis Toledo, contribui para compreender que a ilicitude administrativa pode se projetar na seara penal, embora nem toda infração administrativa constitua crime. A assessoriedade relativa permite conciliar a autonomia das instâncias com a racionalidade punitiva do Estado. Neste ponto, destaca-se a proposta de Carnelós (2023) sobre a construção de um Direito Penal subsidiário, coerente e funcional. 3. A Crítica à Multiplicação Sancionatória e o Princípio do Ne bis in idem A imposição de múltiplas sanções – administrativas, penais e civis – com base em um mesmo fato pode redundar em violação ao ne bis in idem, princípio implícito na Constituição Federal e consagrado nos tratados internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8.4) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 15.7). A distinção entre as dimensões material e processual do ne bis in idem é essencial: a primeira impede múltiplas punições sobre o mesmo substrato fático; a segunda veda novas persecuções após o trânsito em julgado. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no leading case Engel and Others v. Netherlands (1976), estabeleceu critérios objetivos para identificar a “natureza penal” de uma sanção, o que tem reflexos diretos no Brasil, especialmente na repressão a ilícitos econômico-financeiros. 4. A Polêmica Constitucional em Torno do § 4º do Art. 21 da Lei 8.429/92 A recente alteração da Lei de Improbidade Administrativa, por meio da Lei nº 14.230/2021, incluiu o § 4º no art. 21, estabelecendo que a absolvição criminal confirmada por decisão colegiada impede o prosseguimento da ação de improbidade com base nos mesmos fatos. A controvérsia que chegou ao STF por meio da ADI 7.236 expõe a tensão entre dois pilares constitucionais:

  • De um lado, a independência entre as instâncias, a inafastabilidade da jurisdição e a necessidade de proteção eficiente ao patrimônio público e à moralidade administrativa.
  • De outro, os princípios da segurança jurídica, da coerência normativa e do ne bis in idem, além da exigência de racionalidade e proporcionalidade no exercício do poder sancionatório estatal.

A defesa da constitucionalidade da norma se sustenta na ideia de um microssistema normativo harmônico, em que decisões penais excludentes de ilicitude ou autoria contaminam, por lógica jurídica, o juízo de reprovabilidade administrativa. Já a corrente inconstitucionalista adverte que a vinculação ampla compromete a autonomia funcional do Estado na repressão de ilícitos que demandam respostas diversas, em esferas distintas, conforme os fins de cada ramo. 5. Conclusão No cenário do Direito Penal Econômico contemporâneo, a interdependência entre as instâncias sancionatórias representa uma necessidade de coerência e de eficiência no combate à macrocriminalidade. Entretanto, essa inter-relação deve ser manejada com extrema cautela, sob pena de violar garantias fundamentais e comprometer o sistema acusatório.

A construção doutrinária e jurisprudencial deve, portanto, buscar um ponto de equilíbrio entre a proteção dos bens jurídicos tutelados e a preservação dos direitos individuais, respeitando os contornos do devido processo legal. O fortalecimento do diálogo interinstitucional e a aplicação ponderada do ne bis in idem são caminhos para uma justiça penal mais racional, eficaz e garantista

Paulo Moraes

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