Paulo Moraes Advogados

Direito Premial – Leniência e Colaboração Premiada

Direito Premial refere-se aos incentivos penais ou figuras penais que atenuam ou excluem a pena do sujeito que praticou um crime, desde que ele realize um comportamento posterior ao delito que possa ser considerado voluntário.

O direito premial ganhou grande destaque quando foi amplamente utilizado na Itália a partir da década de 1980 no combate à máfia, com a famosa ‘lei dos arrependidos’ (legge sui pentiti), que permitia que os membros da máfia que colaborassem com as autoridades recebessem redução das penas.

No panorama normativo brasileiro, temos:

  • Desistência voluntária e arrependimento eficaz – art. 15 do Código Penal.
  • Arrependimento posterior – art. 16 do Código Penal.
  • Confissão e “chamada” de corréu como formas distantes da colaboração.

O instrumento da colaboração premiada não é uma ideia nova, já vem sendo tratado e estudado pelo direito penal brasileiro de forma direta e indireta pela doutrina. Houve uma modernização com novos instrumentos normativos que trouxeram a colaboração premiada – art. 4 da Lei n. 12.850/2013:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

  • I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
  • II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
  • III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
  • IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
  • V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Programa de Leniência (CADE – Direito da Concorrência) – Art. 86 da Lei n. 12.529/2011

Art. 86 O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 a 2/3 da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

  • I – a identificação dos demais envolvidos na infração; e
  • II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

Art. 16 A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

  • I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
  • II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

Novos Instrumentos

Temos novos instrumentos que são contratos efetuados com o Estado, diferenciando das opções clássicas (desistência voluntária, arrependimento posterior), que eram unilaterais e independentes da vontade do Estado. Existe previsão legal de livre negociação entre Estado e o colaborador:

  • Colaboração premiada- Ministério Público e Autoridade Policial.
  • Leniência antitruste – Superintendência Geral do CADE.
  • Leniência anticorrupção – Controladoria Geraid
  • Acordos de leniências está sendo realizado com a participação do Ministério Público para dar segurança jurídica, haja vista ser o titular da ação penal.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do HC 127483, relatoria do Ministro Dias Toffoli, considerou que a colaboração premiada é um “meio de obtenção de prova”, além de ser um negócio jurídico com caráter sinalagmático.

Cartel

Cartel é um ilícito administrativo (CADE) e um crime elencado nas normas penais contra o direito de concorrência. É um crime de extrema dificuldade de comprovação, o que torna a leniência uma ferramenta essencial.

Os acordos de leniência seguem a lógica do “stick and carrot”. Para que o acordo funcione, é necessário que o Estado informe que quem não colaborar terá penas severas, enquanto quem fizer o acordo terá grandes benefícios.

Exemplos de Cartéis no Brasil

  1. Cartel do Cimento
  • Em 2014, o CADE condenou várias empresas e indivíduos por formarem um cartel no mercado de cimento e concreto. O cartel controlava a produção e distribuição de cimento, fixando preços e dividindo clientes e regiões de mercado entre as empresas participantes. As multas totalizaram R$ 3,1 bilhões, e as empresas envolvidas foram obrigadas a vender fábricas e a cessar operações até 2019.
  1. Cartel dos Combustíveis
  • Empresas de distribuição combinavam preços e dividiam o mercado para manter a concorrência afastada. O direito premial foi utilizado através do acordo de leniência, que permitiu que uma das empresas envolvidas colaborasse com as investigações em troca de uma redução de pena.
  1. Operação Lava Jato
  • Revelou a existência de cartéis em obras públicas, onde empresas de construção civil formavam consórcios para combinar preços e dividir contratos de obras públicas, resultando em superfaturamento e prejuízos significativos para o governo. A colaboração premiada foi amplamente utilizada para obter informações sobre o funcionamento desses cartéis e levar os responsáveis à justiça.

Esses casos demonstram como o direito premial, especialmente através de acordos de leniência e colaboração premiada, tem sido um instrumento eficaz no combate aos cartéis, promovendo a concorrência justa e protegendo os consumidores.

Programa de Leniência no Direito da Concorrência (ANTITRUSTE)

Aplica-se às pessoas físicas e jurídicas, também ao direito administrativo e aos crimes da Lei 8.137/1990 e da Lei 8.666/1993, tipificados no art. 288 do Código Penal. Isso resulta na suspensão do prazo prescricional e impede o oferecimento de denúncia, extinguindo a punibilidade criminal e o processo administrativo.

Não é apenas no crime de cartel que entra o acordo de leniência; ele atinge os crimes vinculados aos delitos do art. 288 do Código Penal e da antiga Lei 8.666/1993, hoje elencados no Código Penal nos artigos 33-A a 337-O.

Uma característica interessante é que os benefícios da leniência para a pessoa física não são apenas para a primeira pessoa; podem atingir outras pessoas que fizerem os acordos, mas normalmente não têm os mesmos benefícios da primeira pessoa. A pessoa jurídica é apenas a primeira.

A norma de acordo de leniência deixou uma lacuna, pois não previa a participação do Ministério Público nos acordos efetuados pelos órgãos administrativos do CADE, o que gerava impacto direto no direito penal. Para trazer segurança jurídica, criou-se o “ajuste” de chamar o Ministério Público a participar dos acordos de leniência para sanar essa lacuna deixada pela norma.

Cartel Estadual e Cartel Federal

Cartel estadual opera apenas no território de um estado, enquanto os que transcendem essa territorialidade são competência federal. O CADE, de maneira pragmática, tem convidado ambos os Ministérios Públicos, Federal e Estadual, para trazer segurança jurídica aos acordos de leniência.

Tipo Penal Cartel (art. 4 I e II 8.137/90)

Cartel não é apenas um crime, é uma infração administrativa, sendo a principal infração administrativa contra a concorrência. O CADE é responsável por estabelecer a coibição dos cartéis e criar elementos probatórios para a esfera criminal. A competência para processar os cartéis locais é do Ministério Público Estadual, enquanto os interestaduais ou internacionais são competência do Ministério Público Federal.

Os cartéis podem se dar por acordos implícitos de difícil comprovação ou explícitos. Os cartéis mais comuns contra consumidores são:

  • Combinação de preços para evitar concorrência;
  • Manipulação da oferta de produtos e serviços;
  • Divisão de clientes e mercados de atuação.

Os crimes de cartel são plurissubjetivos e dolosos. A jurisprudência entende que é crime permanente, cuja prescrição inicia quando cessa a atividade criminosa. A competência para processar os cartéis locais é do Ministério Público Estadual, enquanto os interestaduais ou internacionais são competência do Ministério Público Federal.

Conclusão

A aplicação do Direito Premial, especialmente através da leniência e colaboração premiada, mostrou-se um instrumento poderoso no combate aos cartéis e à criminalidade organizada. A legislação brasileira, ao adotar mecanismos como a colaboração premiada e os programas de leniência, seguiu exemplos bem-sucedidos internacionais, como a ‘lei dos arrependidos’ na Itália, e adaptou esses modelos para atender às suas próprias necessidades jurídicas e de combate ao crime.

A colaboração premiada, regulamentada pelo art. 4 da Lei n. 12.850/2013, oferece ao colaborador a possibilidade de redução ou até mesmo isenção de pena, desde que sua colaboração resulte em avanços significativos nas investigações. Já o programa de leniência, previsto no art. 86 da Lei n. 12.529/2011, aplica-se tanto a pessoas físicas quanto jurídicas que cooperem efetivamente com as investigações de infrações à ordem econômica.

Casos emblemáticos como o Cartel do Cimento, o Cartel dos Combustíveis e a Operação Lava Jato demonstram a eficácia desses mecanismos na prática. Em cada um desses casos, a colaboração dos envolvidos foi crucial para desmantelar esquemas complexos de cartel e corrupção, resultando em punições severas para os infratores e na recuperação de valores significativos para os cofres públicos.

No entanto, a aplicação da leniência e da colaboração premiada não está isenta de desafios. Um ponto crítico é a necessidade de envolver o Ministério Público nos acordos de leniência realizados por órgãos administrativos como o CADE, a fim de garantir a segurança jurídica e a eficácia desses acordos na esfera penal.

A distinção entre cartel estadual e federal também levanta questões de competência e a necessidade de coordenação entre diferentes níveis do Ministério Público para garantir que os acordos de leniência sejam abrangentes e eficazes.

Em resumo, o Direito Premial, através da leniência e da colaboração premiada, tem se consolidado como um pilar fundamental na luta contra os cartéis e outras formas de criminalidade organizada no Brasil. A implementação desses mecanismos promove não apenas a justiça, mas também a transparência e a integridade do mercado, protegendo os consumidores e incentivando uma concorrência justa.

Referências

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ARAS, Vladimir. Direito Probatório e Cooperação Jurídica Internacional. Garantismo Penal Integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo garantista no Brasil. CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo (org.). 4ª edição, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017.

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DOMINGUES, Juliana Oliveira. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS MEIOS DE COMBATE AOS CARTÉIS INTERNACIONAIS DE FIXAÇÃO DE PREÇO Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional | vol. 12/2005 | p. 179 – 204 | Jan / 2005 DTR\2011\2053.

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  1. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. Vol. único. 15ª ed. São Paulo, JusPODIVM, 2022, p. 825.
  2. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual Legislação Criminal Especial Comentada. 10 ed. Salvador: JusPODIVM, 2021. p. 1013.
  3. JUNIOR, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1272-1278.
  4. “Tendo por elemento subjetivo do tipo o dolo de associação à prática de ilícitos, a consumação da infração penal prevista no art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013 protrai-se durante o período em que os agentes permanecem reunidos pelos propósitos ilícitos comuns, circunstância que caracteriza a estabilidade e a permanência que o diferem do mero concurso de agentes, motivo pelo qual é conceituado pela doutrina como crime permanente.” BRASIL, STF, Inq 3.989, ministro relator Edson Fachin, 2ª Turma, julgado em 11/6/2019. Disponível em: [ https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur408983/false](https://jurisprudencia.stf.jus.br/p…. Acesso em 15 set. de 2022.
  5. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual Legislação Criminal Especial Comentada. 10 ed. Salvador: JusPODIVM, 2021. P. 1013.
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  1. CADE. PA 08012.002127/2002-14. Conselheiro-relator Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado. DJ 13/7/2005.
  2. CADE. PA 08012.002127/2002-14. Conselheiro-relator Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado. DJ 13/7/2005.
https://cdn.cade.gov.br/Portal/acessoainformacao/perguntas-frequentes/cartilha-do-cade.pdf

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