Paulo Moraes Advogados

Compliance Criminal

A Importância da Checagem das Vendas na Defesa Criminal: Uma Análise Crítico-Dogmática à Luz do Direito Penal Contemporâneo

Inspirado na obra de Aury Lopes Jr., Guilherme de Souza Nucci, Luiz Flávio Gomes, Rogério Greco e Claus Roxin.

1. Introdução: Fundamentos Axiológicos e o Papel do Direito Penal na Ordem Democrática

A axiologia penal moderna fundamenta-se em princípios constitucionais que limitam a atuação do jus puniendi estatal, notadamente a fragmentariedade, subsidiariedade e a mínima intervenção. Em um Estado Democrático de Direito, o Direito Penal não pode servir como instrumento de repressão desproporcional, mas deve ser aplicado apenas em situações de lesividade concreta e relevante. Neste sentido, a estruturação de mecanismos de verificação nas relações comerciais, como a checagem das vendas de consórcio, não apenas protege o consumidor, mas também contribui para a exclusão da tipicidade penal e da responsabilidade criminal do agente envolvido.

2. Análise Dogmática do Tipo Penal do Estelionato (Art. 171, CP)

O tipo penal do art. 171 do Código Penal Brasileiro define o estelionato como “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A estrutura do tipo requer:

Conduta ativa (induzir ou manter em erro);
Meio enganoso (ardil, artifício, fraude);
Erro da vítima;
Prejuízo patrimonial;
Vantagem ilícita.

Na perspectiva finalista de Welzel, acolhida por Aury Lopes Jr., o dolo exige a consciência e vontade dirigidas à obtenção da vantagem mediante engano. Ausente essa finalidade, ausente o tipo subjetivo. Ademais, segundo Nucci, o dolo específico deve ser demonstrado por prova robusta, não se presumindo.

3. A Checagem de Vendas e a Teoria da Imputação Objetiva (Jakobs)

A existência de um sistema de checagem por parte da administradora de consórcio configura um instrumento de controle externo e autônomo, rompendo o nexo causal entre a conduta do vendedor e eventual prejuízo do consumidor. Pela teoria da imputação objetiva, não basta a causalidade naturalística; é necessário que a conduta crie ou incremente um risco não permitido e que este risco se concretize no resultado. Se a administração impede o resultado, o tipo penal não se consuma.

Roxin sustenta que a previsibilidade e evitabilidade do resultado são essenciais para a imputação. Se há filtro que impede a consumação do prejuízo, não há resultado juridicamente relevante. A administração, ao checar e esclarecer os termos da venda, atua como barreira à fraude, afastando a tipicidade material.

4. O Crime Impossível e a Ineficácia Absoluta do Meio Fraudulento

O art. 17 do CP trata do crime impossível, caracterizado pela ineficácia absoluta do meio ou pela impropriedade absoluta do objeto. O meio é absolutamente ineficaz quando, mesmo que o agente aja com dolo, não há possibilidade objetiva de consumação do crime. Nos casos em que a checagem é eficaz, é possível sustentar que o vendedor não teria como consumar a fraude, ainda que tivesse intenção.

O STJ tem reconhecido, por exemplo, que em sistemas de segurança bancária que bloqueiam transferências indevidas, não se consuma o estelionato. Analogamente, se a administradora de consórcio anula a venda e reembolsa o consumidor, o prejuízo desaparece, afastando o tipo penal.

5. A Contribuição da Suposta Vítima: Autoresponsabilidade e Quebra do Engano Relevante

Na hipótese em que o consumidor, durante a checagem, confirma informações falsas ou age com dolo eventual, a qualidade de vítima passiva é comprometida. A teoria da autoresponsabilidade (Jakobs) afirma que quem se expõe voluntariamente ao risco deve arcar com as consequências de sua conduta.

O erro relevante para o tipo penal deve ser provocado pelo agente. Se o consumidor mente, não há erro causado por outrem, mas sim autocolocação em situação de risco. A jurisprudência começa a reconhecer que a confirmação expressa do consumidor durante o processo de checagem configura consentimento informado e rompe a relação causal entre a conduta do vendedor e eventual dano.

6. Relevância Probatória da Checagem para a Defesa Criminal

Em sede de defesa penal, a documentação da checagem assume valor probatório relevante. Gravações de ligações, e-mails de confirmação, documentos assinados e registros eletrônicos servem como provas da boa-fé do agente e da transparência do procedimento. A checagem documentada é elemento fulcral para sustentar:

Ausência de dolo;
Ruptura do nexo causal;
Crime impossível;
Contribuição da vítima;
Atipicidade material da conduta.

7. Considerações Finais: O Direito Penal como Ultima Ratio

A moderna dogmática penal impõe uma visão crítica e limitada do Direito Penal. A checagem das vendas, longe de ser mero detalhe procedimental, é mecanismo essencial de proteção tanto ao consumidor quanto ao agente de vendas. Sua existência eficaz impede a consumação do crime, descaracteriza o dolo e bloqueia o resultado lesivo.

Paulo Moraes

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