Cautelares Pessoais no Processo Penal Brasileiro:
As medidas cautelares pessoais desempenham um papel essencial na efetivação da tutela jurisdicional no âmbito do processo penal brasileiro. Elas buscam assegurar a eficiência da persecução penal, mantendo o equilíbrio entre a necessidade de proteção da ordem pública e a garantia dos direitos fundamentais dos acusados. Este artigo aborda as medidas cautelares pessoais à luz da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), com foco nas jurisprudências detalhadas nos slides, incluindo a aplicação de astreintes e outras medidas relevantes.
1. Medidas Cautelares Pessoais: Conceito e Finalidade As medidas cautelares pessoais têm como objetivo garantir o regular desenvolvimento do processo penal sem que seja necessário recorrer à prisão preventiva, a qual deve ser aplicada apenas como ultima ratio. A Lei nº 12.403/2011 foi um marco importante ao reformar o Código de Processo Penal (CPP) e introduzir um rol de medidas menos gravosas que a prisão preventiva, tais como monitoramento eletrônico, proibição de frequentar determinados lugares, e afastamento do lar.
2. Poder Geral de Cautela no Processo Penal: Limites e Aplicação O poder geral de cautela no processo penal é um ponto controverso. Ele confere ao magistrado certa flexibilidade para determinar medidas não expressamente previstas, visando à efetividade do processo. No entanto, essa prerrogativa tem limites claros quando se trata da privação de liberdade, respeitando os princípios da legalidade e da tipicidade.
A jurisprudência do STJ, como no AgRg no HC n. 621.677/MG, reafirmou que a custódia preventiva não pode ser decretada de ofício pelo magistrado após a alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.964/2019, que suprimira essa possibilidade dos artigos 282 e 311 do CPP. Assim, o poder geral de cautela deve ser utilizado apenas dentro dos limites da legalidade, principalmente em questões envolvendo restrição de liberdade [oai_citation:1,Slide 01 – Medidas cautelares reais e pessoais.
No julgamento do HC 186.490 pelo STF, relatado pelo Ministro Celso de Mello, ficou determinado que não há poder geral de cautela que permita a imposição de medidas atípicas em detrimento do status libertatis, sendo vedada a adoção de qualquer medida que não tenha base legal específica e formalmente prevista no ordenamento jurídico.
3. A Aplicação de Astreintes no Processo Penal Astreintes, ou multas cominatórias, são geralmente aplicadas no direito processual civil como meio de coerção para garantir o cumprimento de decisões judiciais. No entanto, a jurisprudência tem admitido, de forma excepcional, sua aplicação no âmbito penal.
A Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.568.445/PR, reconheceu a possibilidade de aplicação de astreintes no processo penal. Essa decisão consolidou a legitimidade da utilização de multas coercitivas em processos penais, particularmente para garantir o cumprimento de ordens, como a obtenção de dados telemáticos ou o bloqueio de ativos financeiros. O acórdão ressaltou que, caso a multa seja aplicada pela Justiça Federal, os valores bloqueados deverão ser revertidos à União, enquanto, se aplicada pela Justiça Estadual, o montante será revertido ao Estado-membro respectivo.
Ainda, no julgamento do AgRg no REsp n. 1.975.411/SP, o STJ reafirmou a possibilidade da execução de astreintes antes mesmo da prolação da sentença no juízo criminal. A Corte reconheceu que essa ferramenta é compatível com o poder geral de cautela do magistrado e serve como instrumento legítimo para forçar o cumprimento de determinações judiciais, especialmente em contextos nos quais o réu resiste a colaborar com o processo penal.
4. Constrição de Ativos e Poder Geral de Cautela A constrição de ativos financeiros também tem sido um tema relevante nas medidas cautelares pessoais. No AgRg no AREsp 1320743/MG, relatado pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o STJ decidiu que a utilização do sistema BacenJud para a constrição de ativos financeiros, em casos de recalcitrância do acusado em fornecer informações ou em não pagar multa cominatória, é uma medida autorizada pelo poder geral de cautela. Essa decisão foi amparada pela teoria dos poderes implícitos, que confere ao magistrado a possibilidade de adotar medidas para garantir a efetividade do processo penal e o cumprimento de suas ordens.
5. Medidas Cautelares Atípicas e Suas Restrições A jurisprudência admite, em caráter excepcional, a adoção de medidas cautelares atípicas quando adequadamente fundamentadas. A Sexta Turma do STJ, no HC n. 469.453/SP, relatado pela Ministra Laurita Vaz, permitiu a imposição de uma medida cautelar não prevista expressamente no art. 319 do CPP para evitar a prisão preventiva. Nesse caso, o alcance das hipóteses típicas foi ampliado, desde que respeitados os ditames do art. 282 do CPP, que exige a necessidade e a adequação da medida à espécie .
No entanto, o STF tem reforçado a limitação do poder cautelar atípico em situações envolvendo a liberdade do acusado. No julgamento do RHC n. 131.263/GO, o STF reiterou a ilegalidade de custódia preventiva decretada de ofício pelo magistrado, especialmente após a Lei nº 13.964/2019, que reformulou o regime das medidas cautelares pessoais, limitando a atuação ex officio do juiz, a fim de garantir o respeito ao sistema acusatório e à imparcialidade do julgador
6. Condução Coercitiva e a Decisão do STF nas ADPFs 395 e 444 A condução coercitiva de investigados ou réus para interrogatório, prevista no art. 260 do CPP, foi julgada incompatível com a Constituição Federal pelo STF, em decisão proferida nas ADPFs 395 e 444. A Corte, em decisão sob a presidência da Ministra Cármen Lúcia, declarou a não recepção da expressão “para o interrogatório” constante do referido artigo, destacando que tal prática violava o princípio da não autoincriminação e, portanto, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana.
Além disso, foi destacado que, apesar de as conduções coercitivas terem sido amplamente utilizadas antes do julgamento, a partir da decisão do STF, qualquer prática similar poderá acarretar responsabilidade civil, disciplinar e penal para os agentes públicos envolvidos. Essa decisão reflete a preocupação da Corte em proteger os direitos fundamentais dos investigados contra abusos da autoridade estatal.
7. Prisão Temporária: Aspectos Práticos e Limites Jurisprudenciais A prisão temporária é uma medida cautelar prevista na Lei nº 7.960/1989, que visa garantir a efetividade das investigações no inquérito policial, sendo cabível em situações específicas, como a falta de residência fixa do investigado ou em casos que envolvam crimes graves. A jurisprudência dos tribunais superiores tem se mostrado rigorosa quanto à aplicação dessa modalidade de prisão, especialmente em relação à sua duração e aos requisitos que justificam a sua decretação.
No AgRg no RHC n. 165.187/BA, o STJ reconheceu que a prisão temporária deve ter um prazo certo e que não pode ser prolongada indefinidamente, sob pena de configurar constrangimento ilegal. A prisão temporária é considerada um sucedâneo da antiga “prisão para averiguações”, e, portanto, deve sempre ser fundamentada em “fundadas razões” de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos na lei, além da necessidade de garantir a investigação criminal
Ainda, no julgamento do AgRg no HC n. 740.157/MS, o STJ reforçou que, mesmo quando a prisão preventiva for decretada com base nos mesmos elementos de prova utilizados para justificar a prisão temporária, deve haver fundamentação suficiente que demonstre, de forma clara, a necessidade da manutenção da custódia cautelar. A mera gravidade abstrata do delito não pode servir como justificativa para a privação da liberdade, sendo necessária uma análise criteriosa dos fatos concretos e das circunstâncias pessoais do investigado .
Conclusão As medidas cautelares pessoais no processo penal brasileiro representam instrumentos fundamentais para a proteção dos interesses da justiça, enquanto buscam preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado ou acusado. A sua aplicação deve ser sempre balizada pelos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação, sendo a prisão preventiva uma medida de exceção, aplicada apenas quando outras medidas menos gravosas não forem suficientes.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem desempenhado um papel crucial na delimitação dos contornos legais e dos limites do poder cautelar dos magistrados, garantindo que tais medidas não sejam utilizadas de forma arbitrária ou abusiva. A inclusão de astreintes no processo penal, o uso do sistema BacenJud para constrição de ativos, as limitações