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Artigo

A Inconstitucionalidade da Cobrança de ICMS sobre Energia Solar Compensada: Limites da Tributação e o Paradigma da Sustentabilidade

Por Paulo Marcos de Moraes

Advogado Criminalista – Especialista em Direito Penal Econômico e Ambiental

Presidente da Comissão ODS-ESG e Compliance da OAB, Vice-presidente do Instituto ODS da Amazônia

1. Introdução

Em meio aos debates contemporâneos sobre justiça fiscal, energias renováveis e governança climática, emerge uma problemática jurídica de extrema relevância: a cobrança de ICMS sobre a energia elétrica compensada no âmbito da micro e minigeração distribuída. Longe de se tratar de uma discussão meramente tributária, a questão envolve direitos fundamentais, princípios constitucionais, compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e, sobretudo, o futuro da matriz energética nacional.

2. A Geração Distribuída e o Marco Legal da Energia Solar

A partir da Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012, consolidou-se o sistema de compensação de energia elétrica, mediante o qual consumidores geradores injetam energia excedente na rede da concessionária, obtendo créditos para consumo futuro. Esse regime foi posteriormente regulamentado pela Lei nº 14.300/2022, que institucionalizou o conceito de “empréstimo gratuito” da energia produzida, afastando qualquer presunção de transferência onerosa ou comercial.

A lógica da geração distribuída baseia-se na sustentabilidade, na descarbonização e na democratização do acesso à energia limpa. É, portanto, incompatível com práticas tributárias que penalizam o consumidor-gerador e comprometem políticas públicas de incentivo ambiental.

3. A Inexistência de Fato Gerador do ICMS

Nos termos do art. 155, II, da Constituição Federal, o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias. Contudo, como já assentado pela doutrina e jurisprudência, circulação jurídica não se confunde com circulação física. O fato gerador exige a transferência da titularidade, com intuito de lucro – o que inexiste na compensação da energia fotovoltaica, que é produzida e consumida pelo mesmo sujeito.

Assim, a cobrança de ICMS sobre energia compensada representa não apenas um erro de interpretação legal, mas também uma afronta ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF), além de violar os Convênios ICMS 16/2015 e 81/2016.

4. O Paradigma do “Venire Contra Factum Proprium”

A atuação contraditória do Estado, que inicialmente estimulou a adoção de tecnologias limpas para posteriormente tributar a energia gerada, incorre na vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), cláusula de boa-fé objetiva que deve permear todas as relações jurídicas, inclusive as de natureza fiscal.

A violação à confiança legítima do contribuinte que investiu em energias renováveis, impulsionado por políticas públicas, deve ser reconhecida como fundamento para a nulidade da cobrança.

5. Jurisprudência Nacional e Consagração da Tese

Tribunais estaduais, como os de Goiás, Mato Grosso e São Paulo, já declararam a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS sobre a energia compensada, com base na ausência de fato gerador e na caracterização da operação como empréstimo gratuito. O STF, no Tema 1099, delineou os contornos jurídicos da questão, reconhecendo a inexistência de mercancia.

Prevalece o entendimento de que a energia injetada na rede não é comercializada, mas sim objeto de compensação futura. A súmula 166 do STJ, embora voltada a deslocamentos internos, fortalece o raciocínio de que a mera movimentação física de bens não enseja incidência de ICMS.

6. Reflexos Ambientais e os ODS

A cobrança de ICMS sobre energia solar representa uma agressão direta aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente:

•ODS 7 – Energia Limpa e Acessível;

•ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis;

•ODS 13 – Ação Contra a Mudança do Clima.

A tributação desestimula a adesão a fontes renováveis, contraria os compromissos assumidos na COP 30, e viola o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (art. 225, CF).

7. Repetição do Indébito e Indenização por Danos Morais Coletivos

Nos moldes do art. 42, parágrafo único, do CDC, impõe-se a restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados. Não se trata de engano justificável, mas de violação sistemática e reiterada da ordem jurídica.

Mais do que isso, a conduta abusiva da concessionária e do Estado enseja dano moral coletivo, cuja indenização deve cumprir função pedagógica, conforme sedimentado pelo STJ (REsp 1.635.428/SP).

8. Conclusão

A tributação do ICMS sobre a energia solar compensada não apenas carece de fundamento constitucional e legal, como também revela-se incompatível com os valores republicanos, a justiça fiscal e os compromissos ambientais do Brasil. É hora de reconhecer que energia limpa não deve ser penalizada pelo fisco, mas sim protegida como patrimônio ambiental coletivo.

Paulo Moraes

Proprietário Paulo Moraes Advogados

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