Paulo Moraes Advogados

Análise Jurídica da Cobrança de Comissão em Negócios Financeiros (financiamento e consórcios) Sob a Ótica do Art. 8º da Lei 7.492/1986

PARECER TÉCNICO

 

Assunto: Análise Jurídica da Cobrança de Comissão em Negócios Financeiros Sob a Ótica do Art. 8º da Lei 7.492/1986

 

  1. Introdução:

 

Este parecer visa analisar a prática de empresas que, atuando como intermediárias em negócios financeiros, tais como consórcios e financiamentos, cobram taxas de corretagem ou assessoria financeira de forma extra contratual, sem a anuência das instituições financeiras e administradoras de consórcios. A análise será baseada no artigo 8º da Lei 7.492/1986, que regula os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

 

  1. Enquadramento Legal:

 

O art. 8º da Lei 7.492/1986 dispõe:

 

“Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários: 

Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

 

A norma visa proteger o sistema financeiro nacional, garantindo que as operações envolvendo crédito, consórcio, corretagem e distribuição de títulos estejam de acordo com as regras estabelecidas pelas autoridades competentes, em especial o Banco Central do Brasil.

 

  1. Sujeitos Ativos e Passivos:

 

O sujeito ativo do crime previsto no art. 8º da Lei 7.492/1986 é aquele que exige remuneração ou comissão não permitida por lei em operações de crédito, seguros ou consórcios. Nesse caso, as empresas intermediárias que cobram valores extras de consumidores, sob o pretexto de prestarem consultoria financeira, enquadram-se como potenciais sujeitos ativos.

 

O sujeito passivo é o sistema financeiro nacional, representado pelo Banco Central, e o próprio consumidor, que é lesado ao ser onerado com valores não pactuados ou não autorizados pela instituição administradora do consórcio.

 

  1. Bem Jurídico Tutelado:

 

O bem jurídico tutelado pela Lei 7.492/1986, e especificamente pelo art. 8º, é a integridade do sistema financeiro nacional. Essa proteção se dá para garantir a regularidade das operações financeiras e manter a confiança pública no sistema, evitando práticas abusivas e ilegais que possam causar instabilidade no mercado e prejuízos irreparáveis aos consumidores.

 

  1. Crime Abstrato:

 

O crime descrito no art. 8º é um crime de perigo abstrato, ou seja, não é necessário que se demonstre a ocorrência de um prejuízo efetivo para que a conduta seja punível. Basta que a ação do agente coloque em risco o sistema financeiro ou os interesses dos consumidores. Segundo doutrina de Cezar Roberto Bitencourt, “os crimes de perigo abstrato não exigem comprovação do efetivo dano, pois a própria conduta já é presumidamente perigosa” (BITENCOURT, 2019).

 

  1. Teorias da Imputação Objetiva:

 

A prática dessas empresas intermediadoras pode ser analisada sob a ótica da imputação objetiva, uma teoria amplamente desenvolvida por autores como Roxin e Luis Greco, que estabelece que para que uma conduta seja imputada penalmente, é necessário que o agente crie um risco juridicamente desaprovado que se concretize no resultado.

 

Na análise da prática das intermediadoras de consórcio, o risco criado por elas decorre da exigência de uma comissão extra contratual, sem a devida autorização e sem a transparência que o sistema financeiro exige. Roxin sustenta que “a imputação objetiva requer que o agente, ao atuar, tenha criado um risco não permitido e relevante” (ROXIN, 2006).

 

  1. Cegueira Deliberada:

 

A prática das intermediadoras pode, ainda, ser analisada à luz da teoria da cegueira deliberada, em que o agente opta por não se informar sobre a ilicitude de sua conduta. Nessa situação, as empresas intermediadoras, ao ignorarem deliberadamente a regulamentação que exige a autorização do Banco Central para a prática de cobranças relacionadas a operações de consórcio, incorrem em dolo eventual, uma vez que aceitam o risco de estarem praticando um crime.

 

  1. Competência para Investigar e Julgar:

 

A competência para investigar e julgar crimes contra o sistema financeiro nacional é da Justiça Federal, conforme estabelece o art. 109, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, que atribui à Justiça Federal a competência para julgar crimes contra bens, serviços ou interesses da União, autarquias ou empresas públicas federais.

 

Além disso, a fiscalização sobre a atividade de consórcios é realizada pelo Banco Central do Brasil, que é responsável por regulamentar e autorizar o funcionamento dessas instituições. Empresas que atuam como intermediadoras, sem autorização, violam diretamente as normas de regulação impostas pela autoridade monetária.

 

  1. Doutrina Aplicável:

 

Segundo Luciano Anderson de Souza e Marina Pinhão Coelho Araújo, em “Direito Penal Econômico: Leis Penais Especiais”, o crime previsto no art. 8º da Lei 7.492/1986 protege diretamente a confiança no sistema financeiro e o equilíbrio entre as partes nas relações econômicas, evitando abusos contra consumidores. Essa prática de cobrança de comissões fora dos termos autorizados pelas instituições financeiras “onera de forma indevida o consumidor e desestabiliza o mercado, criando um ambiente de incertezas e insegurança jurídica” (SOUZA; ARAÚJO, 2019).

 

  1. Conclusão:

 

A prática de cobrar comissões ou taxas não previstas nos contratos originais de consórcios, sem autorização das administradoras e sem anuência dos órgãos reguladores, configura crime contra o sistema financeiro nacional, conforme o art. 8º da Lei 7.492/1986. Essas condutas ferem o princípio da transparência, oneram o consumidor e desestabilizam o sistema financeiro ao fugir da fiscalização das autoridades competentes.

 

Dessa forma, é imperativa a atuação dos órgãos de controle e da Justiça Federal para coibir tais práticas, protegendo o bem jurídico tutelado – o sistema financeiro nacional – e restabelecendo a confiança e a segurança nas operações de consórcio.

 

Referências Bibliográficas:

 

– BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2019.

– CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2020.

– NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Forense, 2020.

– ROXIN, Claus. A Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

– SOUZA, Luciano Anderson de; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito Penal Econômico: Leis Penais Especiais. São Paulo: Saraiva, 2019.

– ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

Paulo Moraes

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