Paulo Moraes Advogados

Manual de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Manual de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Introdução

A violência doméstica e familiar contra a mulher é um grave problema social e jurídico no Brasil. Ela pode se manifestar de diversas formas – físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais – atingindo mulheres de todas as idades, classes sociais e regiões. Segundo dados de pesquisas nacionais, cerca de 30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ao longo da vida. Em 2019, quase 1 em cada 5 mulheres (19,4%) relatou ter sofrido violência física, psicológica ou sexual em um período de 12 meses. A maioria dessas agressões ocorre dentro de casa e é cometida por pessoas próximas: mais da metade das violências físicas e sexuais contra mulheres são praticadas por companheiros, ex-companheiros ou parentes. Esses números revelam a dimensão do problema e a urgência de conhecer e combater todas as formas de violência doméstica.

Este manual foi elaborado em linguagem clara e acessível, com base exclusivamente no direito brasileiro, para orientar todas as pessoas – mulheres, familiares, amigos e sociedade em geral – a entender o que é violência doméstica, identificar sinais de abuso e saber como agir diante dessas situações. Nos capítulos a seguir, serão explicados didaticamente todos os tipos de violência doméstica definidos pela Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006), bem como formas de reconhecer indícios de violência (dos mais evidentes aos mais sutis). Também serão apresentadas orientações práticas de como proceder em caso de violência, incluindo canais de denúncia, medidas protetivas legais, órgãos especializados (delegacias, juizados) e serviços de apoio psicológico e jurídico disponíveis. Abordaremos ainda os efeitos psicológicos e sociais que a violência causa nas vítimas e a importância da rede de apoio no processo de enfrentamento e superação do ciclo de violência.

Por fim, o manual traz um tópico sobre o uso indevido da legislação, esclarecendo de forma responsável o que ocorre em casos de denúncias falsas e quais as consequências legais previstas (como o crime de denunciação caluniosa, art. 339 do Código Penal). Ressalta-se que a existência de casos isolados de mau uso da lei não diminui a gravidade do problema da violência real sofrida por milhares de mulheres, mas é importante saber que a legislação brasileira prevê punição para acusações comprovadamente falsas, protegendo, assim, a integridade do sistema de justiça.

Sobre a Lei Maria da Penha: aprovada em 2006, é a legislação brasileira que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei foi nomeada em homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de tentativa de feminicídio pelo marido, e tornou-se um marco no combate à violência de gênero no país. A Lei Maria da Penha estabelece que qualquer caso de violência doméstica é crime e deve ser investigado pela polícia, com processo e julgamento nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ou nas varas criminais comuns onde não houver juizados especializados. A lei tipifica (define) os tipos de violência doméstica nos artigos 5º e 7º, proíbe penas apenas pecuniárias (multas) para agressores e prevê penas mais severas – podendo chegar até 3 anos de prisão para lesão corporal em contexto doméstico. Além disso, garante atendimento integral à vítima, determinando o encaminhamento das mulheres em situação de violência e seus dependentes aos programas de proteção e assistência social disponíveis. Ao longo dos anos, essa legislação vem sendo fortalecida e atualizada, e seus benefícios foram expandidos por decisões judiciais recentes – por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as medidas protetivas da lei podem ser aplicadas também a relacionamentos de casais homoafetivos masculinos e a mulheres transexuais ou travestis em situação de violência doméstica, garantindo proteção a todos os que dela necessitam.

Nas próximas seções, conheceremos detalhadamente cada tipo de violência doméstica previsto em lei, aprenderemos a identificar sinais de alerta e veremos que você não está sozinha – existe uma rede de apoio pronta para ajudar. Saber identificar e denunciar a violência pode salvar vidas. Vamos juntos entender e combater esse problema.

O que é violência doméstica e familiar contra a mulher?

A legislação brasileira define violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Em outras palavras, é toda forma de agressão ou abuso cometida no âmbito da convivência doméstica, da unidade familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida (incluindo relações atuais ou terminadas, casamentos, uniões estáveis, namoro, relações com parentes etc.). Essa definição ampla, presente no art. 5º da Lei Maria da Penha, deixa claro que não se trata apenas de violência física: ameaças, humilhações, abusos sexuais, destruição de bens, entre outros atos, também configuram violência doméstica. Importante destacar que a violência doméstica pode ser cometida por qualquer pessoa que tenha relação familiar ou afetiva com a vítima – não é apenas “o marido ou companheiro” que pode ser agressor; pode ser um pai, irmão, tio, filho, mãe, madrasta, companheira (sim, mulheres também podem ser agressoras em contexto doméstico) etc.. O que caracteriza a violência doméstica é o vínculo de convivência ou afeto e a motivação de subjugação baseada no gênero da vítima (o fato de ser mulher).

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) identifica cinco tipos principais de violência doméstica contra a mulher, que serão explicados a seguir: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Todos esses tipos são igualmente graves e proibidos, podendo ocorrer isoladamente ou – como é frequente – de forma combinada. Muitas vezes, a mulher é vítima de mais de um tipo de violência ao mesmo tempo. Por exemplo, uma situação de agressão física geralmente vem acompanhada de violência psicológica (insultos, ameaças) e também pode envolver violência sexual ou patrimonial. Qualquer uma dessas condutas constitui violação dos direitos humanos e crime, devendo ser denunciada e punida.

Nas próximas seções, vamos detalhar cada tipo de violência doméstica previsto na lei, com definições claras e exemplos práticos, para ajudar na identificação.

Tipos de Violência Doméstica (Lei Maria da Penha)

A Lei Maria da Penha, em seu art. 7º, incisos I a V, conceitua cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. São elas: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. A seguir, explicamos cada uma de forma didática:

Violência Física

A violência física é qualquer conduta que ofenda a integridade corporal ou a saúde física da mulher. Inclui desde empurrões e tapas até espancamentos e tentativas de homicídio. Em resumo, é toda forma de agressão direta ao corpo da vítima. Alguns exemplos de violência física são:

  • Empurrar, sacudir ou puxar os cabelos da mulher;
  • Tapas, socos, chutes e espancamento (agredir com as mãos ou com objetos);
  • Atirar objetos contra a vítima, arremessar coisas que possam machucá-la;
  • Estrangulamento ou sufocamento, tentar enforcar;
  • Queimar, cortar ou ferir com utensílios, facas, fogo ou substâncias corrosivas;
  • Agressões com armas de fogo ou armas brancas, ameaçar ou efetivamente atirar contra a vítima;
  • Tortura física, causar dor intensa de forma intencional e prolongada.

Todas essas ações configuram violência física. As consequências podem ser lesões corporais de diversas gravidades, cicatrizes permanentes, incapacidades físicas temporárias ou definitivas e, no extremo, a morte da vítima. No Brasil, o feminicídio – assassinato de uma mulher em contexto de violência doméstica ou por motivo de menosprezo à condição de mulher – é considerado uma forma extrema de violência física e um crime hediondo (previsto no art. 121, §2º, VI do Código Penal).

Vale ressaltar que não importa a intensidade da agressão: qualquer ato que machuque ou coloque em risco a saúde física da mulher já caracteriza violência física. Mesmo empurrões “sem lesão aparente” ou apertões que deixem hematomas leves devem ser levados a sério, pois geralmente fazem parte de um ciclo de escalada da violência. É comum que a violência física comece “menor” e vá aumentando em gravidade se nada for feito para interrompê-la. Por isso, toda agressão física deve ser denunciada e interrompida o quanto antes, para evitar danos maiores.

Violência Psicológica

A violência psicológica é qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima, que prejudique o pleno desenvolvimento da mulher, ou vise controlar seus comportamentos, crenças ou decisões mediante intimidação ou manipulação. Essa forma de violência, às vezes chamada de “abuso emocional” ou “violência mental”, não deixa marcas visíveis no corpo, mas provoca profundo sofrimento psicológico. Muitas vezes é sutil e prolongada, fazendo a vítima duvidar de si mesma e se sentir humilhada ou incapaz.

Exemplos de violência psicológica incluem:

  • Ameaças (de agressão, de morte, de tirar os filhos, de se suicidar caso ela termine a relação, etc.);
  • Constrangimento, chantagem e manipulação emocional para controlar a mulher;
  • Humilhações e insultos constantes, xingamentos, colocar apelidos depreciativos, fazer a mulher se sentir inútil ou ridicularizada;
  • Isolamento forçado – proibir a mulher de estudar, trabalhar, visitar amigos ou familiares, controlar com quem ela fala ou para onde vai;
  • Controle e vigilância constantes – o agressor fiscaliza o celular, e-mails, redes sociais, segue a mulher na rua, acusando-a sem motivo de traição (ciúme doentio);
  • Distorcer fatos, mentir ou omitir informações para confundir a vítima, fazendo-a duvidar da própria memória ou sanidade (gaslighting);
  • Tirar a liberdade de crença – ridicularizar ou impedir a mulher de praticar sua religião ou crenças pessoais;
  • Destratar a mulher em público, humilhar na frente de outras pessoas, menosprezar suas opiniões;
  • Culpar a mulher por tudo, fazer jogo psicológico para que ela se sinta sempre errada ou responsável pela violência sofrida.

A violência psicológica costuma gerar danos emocionais profundos. A vítima pode desenvolver baixa autoestima, depressão, ansiedade, síndrome do pânico ou estresse pós-traumático. Muitas relatam sentirem-se anuladas como pessoa, com dificuldades de tomar decisões por conta própria após anos sendo controladas e desacreditadas. É importante destacar que a violência psicológica é reconhecida como crime específico no Brasil – desde 2021, foi inserido no Código Penal o art. 147-B, que criminaliza “causar dano emocional à mulher para controlar seu comportamento” (Lei 14.188/2021). Ou seja, além de configurar violência doméstica passível de medidas protetivas, a violência psicológica reiterada também pode levar à responsabilização penal direta do agressor.

Violência Sexual

A violência sexual é qualquer ação que obriga a mulher a manter, presenciar ou participar de alguma forma de relação sexual não desejada, por meio de intimidação, ameaça, coerção ou uso de força. Em outras palavras, ocorre quando o agressor viola a liberdade sexual ou integridade sexual da mulher. Isso inclui o estupro (conjugal ou não), mas não se limita a ele. Pode haver violência sexual mesmo em relacionamentos, se a mulher for constrangida a praticar atos sexuais contra sua vontade.

Alguns exemplos de violência sexual são:

  • Estupro – forçar a mulher à relação sexual mediante violência física ou grave ameaça, incluindo quando o agressor é o parceiro (o casamento ou união não dá direito de exigir sexo sem consentimento);
  • Obrigar a mulher a praticar atos sexuais desconfortáveis ou degradantes, mesmo sem penetração, que lhe causam repulsa ou dor;
  • Forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação;
  • Impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar contra a vontade dela;
  • Limitar ou anular os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, controlando seu corpo – por exemplo, proibindo-a de decidir se quer ter filhos ou não, ou obrigando procedimentos médicos sem consentimento;
  • Obrigar a presenciar relações sexuais alheias ou pornografia, utilizar a mulher em vídeos sexuais sem consentimento;
  • Estupro coletivo ou práticas sexuais forçadas com terceiros impostas à vítima.

A violência sexual é uma das formas mais traumáticas de violência, pois atinge não apenas o corpo, mas a dignidade e a autodeterminação da mulher sobre sua vida sexual. As consequências incluem lesões físicas, risco de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, além de graves traumas psicológicos (como ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, perda de libido, fobias etc.). Segundo dados de pesquisa, em cerca de 60% dos casos de violência sexual as vítimas sofrem consequências psicológicas sérias, além das físicas. Importante: dentro do casamento ou relação íntima também pode ocorrer estupro – a mulher tem o direito de recusar o sexo, e insistir mediante força ou ameaça configura crime. A Lei Maria da Penha protege a mulher também contra a violência sexual no âmbito doméstico, e o agressor pode ser punido pelos crimes sexuais previstos no Código Penal (estupro, violação sexual mediante fraude, importunação sexual, etc.), cumulados com as medidas protetivas e agravantes cabíveis pelo contexto doméstico.

Violência Patrimonial

A violência patrimonial é qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos, bens, valores, direitos ou recursos econômicos da mulher. Ou seja, é o ato de controlar, usurpar ou danificar os recursos materiais da vítima, incluindo aqueles destinados a satisfazer suas necessidades básicas. Muitas vezes a violência patrimonial tem o objetivo de deixar a mulher financeiramente dependente, impossibilitada de se sustentar ou de ter autonomia, como forma de mantê-la sob controle. Em outros casos, é uma retaliação – o agressor destrói coisas de valor sentimental ou econômico da mulher para puni-la ou intimidá-la.

Exemplos de violência patrimonial:

  • Controlar o dinheiro da mulher rigorosamente, tomar o salário dela ou impedí-la de acessar contas bancárias, mesada controlada de forma abusiva;
  • Ocultar, reter ou subtrair documentos pessoais (como RG, CPF, passaporte), cartões bancários, talões de cheque ou qualquer instrumento que dê acesso a recursos;
  • Deixar de pagar pensão alimentícia devida como forma de punir ou chantagear (afeta o sustento dela e dos filhos);
  • Furtar dinheiro ou bens da mulher, apropriar-se indevidamente dos pertences dela (por exemplo, vender o celular ou joias da mulher sem autorização);
  • Danos propositais à propriedade – quebrar o celular da vítima, destruir objetos pessoais, rasgar roupas, danificar o carro, matar o animal de estimação da mulher, entre outros atos de vandalismo pessoal;
  • Fraudes e enganações financeiras – por exemplo, fazer empréstimos ou compras em nome da mulher sem ela saber (estelionato), ou induzi-la a assinar documentos que a prejudiquem economicamente;
  • Impedir a mulher de trabalhar ou estudar para que ela não tenha independência financeira (essa conduta também tem elemento psicológico, mas resulta em dependência patrimonial);
  • Privar a mulher de bens, valores ou recursos necessários – como não fornecer dinheiro para necessidades básicas (alimento, remédios) quando ela depende do parceiro financeiramente, ou confiscar presentes que ela recebe de outros.

A violência patrimonial muitas vezes passa despercebida, pois pode ser mascarada de “controle financeiro do lar” ou “ciúmes das contas”. No entanto, é extremamente prejudicial: mulheres mantidas na dependência econômica frequentemente se sentem incapazes de sair de uma relação abusiva por não terem meios de se sustentar a si e aos filhos. A destruição de patrimônio também causa prejuízos materiais e sentimento de insegurança constante (ex.: não poder ter um celular porque o agressor sempre quebra). É fundamental reconhecer que privar ou danificar os bens de alguém é violência e a lei ampara as vítimas nesse sentido. A mulher tem direito, por exemplo, de obter medidas cautelares para proteger seu patrimônio – juízes podem nomeá-la como depositária fiel de bens do casal, proibir venda de imóveis pelo agressor, etc., para resguardar seus direitos patrimoniais. Além disso, crimes como dano, furto, estelionato, apropriação indébita, quando ocorridos no contexto de violência doméstica, são passíveis de aumento de pena ou de serem tratados com a prioridade que o contexto exige.

Violência Moral

A violência moral é qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria contra a mulher. Em outras palavras, é quando o agressor atenta contra a honra ou a reputação da vítima, fazendo acusações falsas, atribuindo a ela fatos ofensivos não verdadeiros, ou proferindo xingamentos relacionados ao seu caráter. Diferentemente da violência psicológica (que se volta a causar dano emocional direto), a violência moral está ligada à imagem e dignidade da mulher perante ela mesma e a sociedade. Muitas vezes, porém, as duas ocorrem juntas – por exemplo, o agressor insulta a mulher (violência moral) e isso diminui sua autoestima (efeito psicológico). A lei faz questão de mencionar a violência moral para assegurar que ofensas à honra da mulher no âmbito doméstico não fiquem impunes, pois eram frequentemente tratadas como “simples brigas de casal”.

Exemplos de violência moral:

  • Acusar falsamente a mulher de traição, espalhar que ela “não presta”, sem qualquer prova, apenas para desmoralizá-la;
  • Xingamentos que atingem a índole da mulher, chamá-la de termos pejorativos relacionados à sua conduta sexual ou moral (como palavrões, insultos de gênero – “vagabunda”, “piranha”, etc.);
  • Emitir juízos morais condenatórios sobre a conduta dela – por exemplo, dizer que ela “não é uma boa mãe”, “não é uma mulher decente”, questionar seu caráter repetidamente sem motivo;
  • Espalhar boatos ou mentiras sobre a mulher na vizinhança, no trabalho ou nas redes sociais (difamação), visando isolá-la ou envergonhá-la publicamente;
  • Expor a vida íntima do casal ou da mulher sem consentimento, contando detalhes pessoais ou compartilhando fotos/vídeos íntimos (o que hoje pode configurar também crime de divulgação de cena de sexo sem autorização, Lei “revenge porn”);
  • Ridicularizar as crenças, a etnia, a origem ou qualquer aspecto da mulher de forma a menosprezá-la (algumas dessas condutas podem configurar injúria qualificada por preconceito);
  • Culpar a mulher falsamente por crimes ou erros graves – por exemplo, dizer aos outros que ela cometeu delitos que não cometeu (calúnia) – ou ameaçar “acabar com a reputação” dela perante todos.

A violência moral pode não deixar marcas físicas, mas causa profundo abalo na dignidade. Uma mulher que é constantemente desacreditada e caluniada pode sofrer ansiedade, vergonha de conviver socialmente e até perder oportunidades (emprego, amizades) por causa das mentiras propagadas. A legislação protege a honra da vítima: calúnia, difamação e injúria são delitos previstos no Código Penal (arts. 138, 139 e 140). No contexto doméstico, essas ofensas ganham contornos ainda mais perversos, pois vêm de alguém com quem a vítima convive. É importante registrar que, se o agressor faz acusações falsas contra a mulher em delegacia ou processo (por exemplo, invertendo os fatos e acusando-a de crimes que ele sabe que ela não cometeu), ele também poderá responder por denunciação caluniosa ou comunicação falsa de crime. Ou seja, o direito brasileiro prevê meios de defesa para a vítima também no âmbito moral e jurídico.

Resumo dos tipos de violência

Em resumo, os cinco tipos de violência definidos na Lei Maria da Penha abrangem todas as formas de abuso que atentam contra a mulher no contexto de relações domésticas/familiares ou íntimas de afeto. Essas violências podem ocorrer isoladamente, mas com frequência aparecem combinadas. Por exemplo, em um caso de violência doméstica, é comum que a mulher sofra simultaneamente: agressões físicas (empurrões, tapas), psicológicas (ameaças, humilhações), morais (xingamentos, difamações) e patrimoniais (objeto quebrado, controle de dinheiro) – todas essas formas interligadas e reforçando o poder de dominação do agressor. A violência sexual pode ocorrer isoladamente ou junto com qualquer das outras (um parceiro que violenta sexualmente a esposa geralmente também a ameaça e a isola, por exemplo).

Todos esses atos configuram violência doméstica e, independentemente de serem crimes tipificados individualmente (como lesão corporal, estupro, injúria, etc.), eles acionam a proteção especial da Lei Maria da Penha quando ocorrem nesse contexto de gênero. Isso significa que a mulher tem direito a medidas protetivas urgentes e a um tratamento prioritário da justiça para cessar o ciclo de violência. Nenhuma forma de violência é “menos séria” que a outra – todas violam direitos fundamentais da mulher (vida, integridade física, psicológica, sexual, liberdade, dignidade, patrimônio) e merecem repúdio e resposta enérgica do Estado e da sociedade.

Conhecer esses tipos nos ajuda a identificar situações de abuso que muitas vezes são naturalizadas ou justificadas como “ciúme”, “briga de casal” ou “problema financeiro”. Nos próximos tópicos, veremos como reconhecer os sinais da violência doméstica (muitas vezes a própria vítima demora a perceber que está em situação de violência, especialmente nos casos psicológicos e morais) e o que fazer para buscar ajuda e romper com esse ciclo.

Como identificar os sinais de violência doméstica

Reconhecer os sinais de violência doméstica é o primeiro passo para quebrar o silêncio e buscar ajuda. Muitas vezes, a vítima pode estar vivenciando abusos sem perceber claramente que se trata de violência – especialmente nos casos de violência psicológica, moral ou patrimonial, que podem ser mais sutis do que a agressão física evidente. Além disso, quem convive com a vítima (familiares, amigos, colegas de trabalho) pode notar alguns sinais indicativos de que algo não vai bem. Nesta seção, vamos listar sinais, tanto evidentes quanto sutis, de que uma mulher pode estar sofrendo violência doméstica. Os sinais podem ser físicos, emocionais/comportamentais ou sociais. Abaixo estão alguns indícios comuns, divididos pelos tipos de violência correspondente:

  • Sinais de Violência Física: a presença de marcas, lesões ou machucados frequentes sem explicação convincente. A mulher pode aparecer com contusões, cortes, queimaduras ou fraturas inexplicáveis, muitas vezes atribuídas a “quedas” ou “acidentes” pouco plausíveis. Ela pode tentar esconder essas lesões usando óculos escuros, roupas de manga comprida até no calor ou maquiagem pesada para disfarçar hematomas. Outra pista é a mudança de comportamento da vítima: após episódios de agressão, ela pode se tornar mais reclusa, evitar atividades sociais ou contato com outras pessoas, possivelmente por vergonha das marcas ou por estar sendo controlada pelo agressor. Se uma mulher previamente ativa e comunicativa começa a se isolar, ou apresenta machucados com explicações vagas/inconsistentes, é preciso considerar a possibilidade de violência física.
  • Sinais de Violência Psicológica: tendem a aparecer no comportamento e estado emocional da vítima. Ela pode demonstrar baixa autoestima, falando de si em termos negativos, parecendo sentir-se constantemente culpada ou inútil. Pode estar ansiosa ou deprimida, com alterações de humor, crises de choro ou pânico, dificuldade de concentração. Muitas vítimas desenvolvem medo excessivo – estão sempre “pisando em ovos”, com medo da reação do parceiro a qualquer contrariedade. Outro sinal é o isolamento social: frequentemente, o agressor psicológico afasta a mulher de seus amigos e familiares, então ela passa a recusar convites, se afastar de pessoas queridas, ou só comparece em eventos acompanhada do parceiro (que a vigia). Comentários do tipo “não posso demorar porque meu marido não gosta”, “meu parceiro tem ciúmes de fulano então não falo mais com ele” indicam esse isolamento imposto. Observar se a pessoa está perdendo suas conexões sociais e apresentando sinais de transtornos emocionais pode revelar violência psicológica mesmo sem nenhuma agressão física.
  • Sinais de Violência Sexual: podem ser difíceis de notar por terceiros, mas alguns indicativos são alterações no comportamento íntimo ou corporal. A vítima pode evitar falar sobre sua vida sexual ou mostrar-se desconfortável e tensa quando o assunto surge. Se é casada ou tem parceiro, pode haver relutância em demonstrar afeto em público ou medo do contato físico, mesmo com pessoas de confiança, devido ao trauma. Medo de intimidade é um sinal forte – ela pode se retrair ao menor toque. Podem ocorrer lesões ou dores em regiões genitais sem explicação clara, infecções urinárias ou sexualmente transmissíveis frequentes (podem indicar relações forçadas sem proteção). No âmbito emocional, pode haver depressão profunda, ansiedade, flashbacks ou aversão sexual. Se a mulher confidencia que o parceiro “a força” em alguns momentos, leve isso extremamente a sério – é violência sexual, ainda que ela seja casada com ele. Profissionais de saúde devem estar atentos a marcas de abuso sexual e, ao suspeitar, investigar com cuidado e respeito. O mais importante é notar mudanças: por exemplo, uma mulher que antes era alegre e espontânea torna-se fechada, assustada, com comportamento sexual evasivo ou sinais físicos de abuso, possivelmente está passando por violência sexual.
  • Sinais de Violência Patrimonial: podem refletir-se nas dificuldades financeiras e na perda de autonomia da vítima. A mulher pode comentar que “não tem acesso ao próprio dinheiro” ou que precisa justificar cada gasto minuciosamente ao parceiro. É um sinal se ela diz algo como “tenho que pedir dinheiro até para comprar coisas básicas” – indicando controle excessivo das finanças pelo companheiro. Outro indicativo: a vítima quer sair de casa ou terminar a relação mas diz que “não tem para onde ir nem dinheiro”, mesmo que trabalhe – pode significar que o agressor retém seus rendimentos. A violência patrimonial também se percebe quando a mulher relata ou você observa destruição de seus bens: por exemplo, o celular dela vive quebrado, o carro sempre danificado, objetos pessoais somem ou aparecem destruídos – esses podem ser atos intencionais do agressor. Se ela mencionar que o parceiro “não deixa” ela trabalhar ou estudar, isso também configura controle econômico e é sinal de alerta. Dívidas inesperadas ou problemas com contas em nome dela podem indicar que o agressor está usando documentos ou nome da vítima indevidamente. Portanto, preste atenção se a pessoa está subitamente em apuros financeiros, sem acesso a recursos que teoricamente teria, ou se bens dela estão desaparecendo/estragando de modo estranho.
  • Sinais de Violência Moral: manifestam-se quando a reputação da mulher está sendo atacada. Fique atento(a) se circulam boatos maldosos sobre ela, especialmente originados ou espalhados pelo parceiro ou ex. Por exemplo, se ele anda dizendo a todos que “ela o trai” ou fazendo postagens ofensivas nas redes sociais. A vítima de violência moral pode demonstrar muita vergonha ou constrangimento social sem ter feito nada de errado – possivelmente por estar sendo alvo de difamação. Ela pode se isolar também por vergonha, evitando círculos onde sabe que sua imagem foi manchada pelo agressor. Outro sinal: se a mulher frequentemente é humilhada em público pelo companheiro, mesmo em “tom de brincadeira” (piadas depreciativas, críticas à aparência ou capacidade dela diante de amigos), isso é inaceitável e configura abuso moral. A longo prazo, a vítima pode acreditar nas ofensas e sentir-se realmente “errada” ou “culpada” por coisas que disseram dela. Por isso, observe se ela tem um comportamento excessivamente apologético (sempre pedindo desculpas, mesmo sem motivo) ou se parece convencida de que é “louca, burra, vadia”, palavras que frequentemente os agressores morais inculcam. Esses sinais indicam que a honra dela vem sendo atacada continuamente.

O ciclo da violência: Muitas vezes, a dinâmica da violência doméstica segue um ciclo repetitivo com fases: tensão crescente, explosão da violência e “lua de mel” (arrependimento do agressor). Durante a fase de tensão, a vítima sente que “está andando sobre cascas de ovo”, o agressor está irritadiço, controlando, os sinais psicológicos ficam mais evidentes (ameaças veladas, insultos). Na fase de explosão, ocorrem as agressões mais agudas – seja um espancamento (violência física) ou um ataque verbal cruel, um estupro, etc. Depois, frequentemente o agressor pede desculpas, promete mudar, pode haver um período de aparente calmaria (a fase do arrependimento). Porém, se nada for feito, o ciclo recomeça, geralmente com violência cada vez mais grave. Reconhecer esse ciclo ajuda a entender que sem intervenção, a tendência é piorar. Assim, sinais como episódios cíclicos de agressão seguidos de reconciliação apaixonada também indicam que a relação é abusiva.

O que fazer se você identificar os sinais? Se você, leitor(a), ao conhecer esses sinais acha que pode estar vivenciando violência doméstica, busque ajuda imediatamente (na próxima seção explicaremos como proceder). Não minimize a situação achando que “só palavras” ou “só um tapa” não são violência – são sim e tendem a se agravar. Se você identifica sinais em alguém próximo – amiga, irmã, vizinha, colega – ofereça apoio. Procure conversar com a possível vítima em particular, mostrando preocupação: “Notei que você está triste/sempre machucada, aconteceu algo?”. Ou diga abertamente que você está ali para ajudar no que ela precisar. Muitas mulheres demoram a denunciar por medo ou por não perceberem a gravidade; a escuta acolhedora de alguém de confiança pode ser o primeiro passo para ela quebrar o silêncio. Em todos os casos, não julgue a vítima (perguntando por que ela não saiu da relação, por exemplo), mas enfatize que ela não tem culpa e que existem caminhos para sair daquela situação. Adiante, vamos detalhar esses caminhos.

O que fazer em caso de violência doméstica?

Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja nessa situação, é fundamental saber que existem leis e serviços prontos para proteger a vítima e responsabilizar o agressor. A seguir, orientamos passo a passo o que fazer em caso de violência, desde canais de denúncia disponíveis até as medidas protetivas legais, passando pelos órgãos especializados de atendimento (como delegacias da mulher) e pelo apoio psicológico e jurídico que pode ser acionado. Lembre-se: você não está sozinha. A rede de enfrentamento à violência contra a mulher inclui polícia, judiciário, defensoria, assistência social e saúde – um conjunto de instituições que devem atuar em conjunto para garantir sua segurança e seus direitos.

Canais de denúncia e emergências

Em situações de violência doméstica, denunciar é um passo crucial para interromper o ciclo de abusos. No Brasil, existem vários canais pelos quais a vítima (ou qualquer pessoa que testemunhe a violência) pode buscar ajuda e fazer uma denúncia. Eis os principais:

  • Emergência – Ligue 190: Se a situação exigir intervenção imediata (por exemplo, uma agressão em curso, risco iminente de morte ou lesão grave), ligue para o 190, que é o número de emergência da Polícia Militar em todo o território nacional. A viatura policial será enviada para o local. Priorize este canal quando houver perigo imediato, pois é a resposta mais rápida.
  • Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180: É um serviço nacional, gratuito e confidencial, disponível 24 horas por dia (inclusive fins de semana e feriados), especializado em orientações sobre violência contra a mulher. Através do número 180, a mulher pode denunciar situações de violência, fazer reclamações ou simplesmente buscar orientação sobre seus direitos e sobre a rede de atendimento disponível. A ligação pode ser feita de qualquer lugar do Brasil e também do exterior (a Central atende brasileiras em mais de 16 países). O atendimento acolhe a vítima, fornece informações sobre como proceder, quais órgãos locais procurar, e pode registrar a denúncia para encaminhamento às autoridades competentes. Importante: O Ligue 180 não substitui a polícia em emergência, mas orienta e aciona o encaminhamento apropriado. É um canal valioso, sobretudo para casos em que a mulher ainda não decidiu formalizar uma queixa – ela pode ligar para se informar anonimamente. A central funciona 24h e vai orientar sobre todos os passos necessários para a denúncia. Em caso de dúvida, Ligue 180!.
  • Delegacia (Presencial ou Online): A formalização da denúncia geralmente se dá registrando um Boletim de Ocorrência (B.O.) numa delegacia. O ideal é que seja em uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), quando houver uma na sua cidade ou região, pois os profissionais lá são treinados para casos de violência de gênero. Nas DEAMs (também chamadas popularmente de “Delegacia da Mulher”), a vítima pode relatar os fatos em ambiente mais acolhedor, muitas vezes com equipes femininas. Caso não exista uma delegacia da mulher acessível, qualquer delegacia comum tem o dever de registrar a ocorrência de violência doméstica e adotar as providências. Em alguns estados, já é possível fazer registro de ocorrência online para violência doméstica (verifique no site da Polícia Civil do seu estado se há essa opção) – isso pode ajudar em casos em que a vítima não pode sair de casa para ir à delegacia. No B.O., relate todos os detalhes das violências sofridas (tipos de agressão, datas, ameaças, etc.). Se tiver lesões, é importante fazer um exame de corpo de delito (a própria polícia ou o IML encaminham) para servir de prova. Após o registro, a polícia deverá abrir um inquérito policial para investigar o caso, colhendo provas e ouvindo testemunhas. Lembre-se: registrar a ocorrência é um direito seu e um dever do Estado. Não tenha medo de procurar a polícia – a Lei Maria da Penha trouxe protocolos para que as autoridades acolham a vítima sem revitimizá-la e agilizem a proteção. Se por acaso encontrar algum atendente despreparado, insista em seus direitos; você pode inclusive procurar o Ministério Público depois se sentir que não foi atendida adequadamente.
  • Disque 100 (Direitos Humanos): Além do 180, existe o Disque 100, que é o número geral de Direitos Humanos. Ele recebe denúncias de violações de direitos em geral, incluindo violência contra a mulher, crianças, idosos, pessoas com deficiência, população LGBT, etc. Pode ser uma alternativa, mas para casos específicos de violência doméstica o 180 e a delegacia são mais direcionados. De todo modo, o Disque 100 também encaminha as denúncias aos órgãos competentes e é 24h e gratuito.
  • Aplicativos e Outros Canais Locais: Em alguns municípios ou estados, há aplicativos de celular para denúncia de violência doméstica (por exemplo, aplicativos das polícias militares ou civis). Informe-se se na sua localidade existe algum (como o “Maria da Penha Virtual” ou botões de pânico fornecidos pelas prefeituras a vítimas com medidas protetivas). Farmácias participantes da campanha “Sinal Vermelho”: essa campanha incentiva que mulheres vítimas façam um “X” vermelho na palma da mão e mostrem ao atendente da farmácia, que acionará a polícia. Essa iniciativa foi abraçada por lei (Lei 14.188/2021) e por estabelecimentos em todo país – ou seja, se você não pode falar, mostrar o sinal ✖️ na mão em uma farmácia pode desencadear o socorro discreto.

Dica: Tenha em mente números de telefone de emergência (190, 180) e de pessoas de confiança. Se possível, deixe com algum vizinho ou parente instruções de acionar a polícia caso escutem gritos ou algo suspeito vindo da sua casa. Sua segurança é prioridade absoluta.

Medidas Protetivas de Urgência

As medidas protetivas de urgência são instrumentos legais previstos na Lei Maria da Penha para resguardar a vítima e cessar de imediato a situação de perigo. Elas funcionam como ordens judiciais rápidas que impõem restrições ao agressor e garantias à mulher, visando impedir a continuidade da violência. Você pode pedir medidas protetivas logo ao registrar a ocorrência, ou o delegado/autoridade policial pode solicitá-las ao juiz competente em até 48 horas. O juiz então tem mais 48 horas para decidir sobre as medidas (geralmente decidem muito rapidamente, muitas vezes no mesmo dia). As principais medidas protetivas previstas (arts. 22, 23 e 24 da Lei 11.340) são:

  • Afastamento do agressor do lar: O agressor pode ser obrigado a sair da residência comum, ficando proibido de se aproximar da casa. Essa é fundamental quando a mulher convive com o agressor – assim, ela pode permanecer em segurança no lar, e ele deve buscar outro lugar. Se necessário, pode incluir a busca e apreensão de armas em posse dele.
  • Proibição de contato e aproximação: O juiz pode fixar que o agressor mantenha distância mínima (por exemplo, 200 ou 300 metros) da vítima, de seus familiares e testemunhas. Também pode proibi-lo de entrar em contato por qualquer meio – telefone, mensagens, e-mail, redes sociais, recados. Isso impede que ele a importune, ameace ou siga. Essa medida é muito comum: uma “restraining order” brasileira. Descumprir essa ordem é crime (art. 24-A da Lei Maria da Penha, introduzido em 2018), sujeito a prisão de 3 meses a 2 anos.
  • Proibição de determinadas condutas: Além do contato físico, o agressor pode ser proibido de frequentar certos lugares que a vítima frequenta (trabalho, escola dos filhos, casa de parentes dela). Qualquer conduta que atrapalhe a tranquilidade ou segurança da mulher pode ser vetada. Por exemplo, não poderá ligar para o local de trabalho dela ou publicar ofensas na internet.
  • Suspensão do porte de armas: Se o agressor tiver arma registrada (e.g., for segurança, policial), o juiz determina a apreensão imediata dessa arma para evitar letalidade.
  • Prestação de alimentos provisórios: Se a mulher for financeiramente dependente ou tiver filhos em comum com o agressor, o juiz pode fixar alimentos (pensão) provisória para garantir sustento enquanto as demais questões são resolvidas.
  • Encaminhamento da vítima e filhos a programa de proteção: Embora não seja exatamente “medida protetiva” contra o agressor, a lei prevê que a mulher seja encaminhada a abrigos ou casas de apoio, se necessário, e tenha prioridade em programas assistenciais.
  • Outras medidas civis: O juiz pode decidir sobre a guarda dos filhos menores, limitar ou suspender visitas do pai agressor às crianças (visando o melhor interesse delas), determinar que a vítima possa retornar ao lar para buscar seus pertences pessoais acompanhada de autoridade, entre outras medidas cíveis. Ou seja, além de proteger fisicamente, pode ajustar temporariamente questões familiares urgentes.

Essas medidas protetivas têm efeito imediato assim que notificadas ao agressor. Ele não pode descumpri-las. Se descumprir, como mencionado, comete um crime (descumprimento de medida protetiva) e isso também pode justificar prisão preventiva – juízes costumam decretar a prisão do agressor reincidente que viola a ordem de afastamento, para garantir a segurança da vítima. Infelizmente, pesquisas mostram que cerca de 48% das mulheres que obtiveram medida protetiva relataram que ela já foi descumprida pelo agressor. Ainda assim, as medidas salvam muitas vidas e são uma ferramenta crucial. Se você obtiver uma medida protetiva, porte sempre uma cópia da decisão consigo e não hesite em chamar a polícia se o agressor se aproximar – mostre a medida aos policiais, que poderão prendê-lo em flagrante pelo descumprimento.

Para solicitar a medida protetiva, não é preciso advogado neste primeiro momento – basta informar na delegacia ou diretamente ao Ministério Público ou Defensoria. Algumas regiões possuem juizados ou varas de violência doméstica, onde o processo é mais ágil. Em outros locais, a vara criminal comum analisa as medidas. De todo modo, prioriza-se rapidez e você não paga nada por isso. O pedido pode ser feito também pelo Ministério Público em seu nome. Na audiência, futuramente, é importante buscar assistência jurídica (a Defensoria Pública pode auxiliar caso você não tenha advogado particular). As medidas protetivas duram o tempo necessário – inicialmente costumam ser 90 dias, prorrogáveis, ou até a decisão final do processo, conforme avaliação do juiz e situação de risco.

Lembre-se: medidas protetivas não dependem de você decidir “processar criminalmente” o agressor. Elas são medidas emergenciais. Você pode pedi-las e depois, se quiser, decidir sobre representar (nos crimes que precisam de representação) ou não. Mas o ideal é sempre dar seguimento ao processo criminal para afastar a impunidade. Enquanto isso, as medidas garantem sua segurança.

Delegacias Especializadas e atendimento policial

As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) foram criadas justamente para melhorar o acolhimento e o tratamento dos casos de violência de gênero. Nelas, geralmente, trabalham delegadas, investigadoras e escrivãs mulheres, preparadas para lidar com a situação com maior sensibilidade. Atualmente, existem mais de 400 delegacias da mulher no Brasil, mas a cobertura ainda não é total – muitas cidades do interior não possuem uma DEAM exclusiva. Se houver uma na sua cidade ou região, dê preferência a ela. Lá, além de registrar a ocorrência, você costuma receber orientações sobre seus direitos, e muitas DEAMs já possuem equipes multidisciplinares (assistentes sociais, psicólogas) ou conexão direta com esses serviços para encaminhar a vítima. Algumas possuem salas especiais para crianças (caso os filhos também precisem depor) e procedimentos menos formais para evitar intimidação.

Fachada de uma Delegacia da Mulher, unidade da Polícia Civil especializada no atendimento a mulheres vítimas de violência.

Caso não haja DEAM, não se cale: procure a delegacia comum mais próxima. Por lei, qualquer delegacia deve atender casos de violência doméstica com prioridade. Exija que seja registrado como violência doméstica (Lei Maria da Penha) – assim, o procedimento terá um rito específico e seguirá para o juizado ou vara criminal com essa referência. A autoridade policial deve ouvir seu relato em detalhes. Se possível, vá acompanhada de alguém de confiança para te dar apoio moral durante o depoimento, pois é um momento difícil. Lembre-se de mencionar todas as violências sofridas (não foque apenas na física visível; fale também das ameaças, humilhações, etc., pois isso constará no inquérito). Você pode também entregar na delegacia provas que tiver: mensagens de texto, fotos de lesões, objetos quebrados, nomes de testemunhas que possam confirmar os fatos (vizinhos que ouviram brigas, familiares que viram agressões passadas, etc.). Quanto mais elementos, mais robusto o caso contra o agressor.

Em algumas localidades existem ainda as Patrulhas ou Rondas Maria da Penha – são equipes da Polícia Militar ou Guarda Municipal que fazem visitas periódicas às residências de vítimas com medida protetiva, para fiscalizar se o agressor não se aproximou e dar sensação de segurança. Informe-se se na sua cidade há esse serviço e solicite-o ao juiz ou delegacia quando for o caso de medida protetiva.

Apoio jurídico e psicológico – Rede de Apoio

Além da atuação policial, é essencial acionar a rede de apoio disponível para as mulheres em situação de violência. Essa rede envolve serviços psicológicos, sociais e jurídicos gratuitos oferecidos pelo poder público e por organizações da sociedade civil.

  • Defensoria Pública (NUDEM): A Defensoria Pública, presente em todos os estados, oferece assistência jurídica gratuita para pessoas que não podem arcar com advogado. Muitas defensorias possuem núcleos especializados de defesa da mulher em situação de violência (NUDEM). O defensor público pode orientar juridicamente, acompanhar processos (tanto criminais contra o agressor quanto assuntos cíveis como divórcio, guarda de filhos, pensão, partilha de bens, etc., que decorrem da separação do agressor). Procure a defensoria de sua cidade; se houver NUDEM, melhor ainda. Caso contrário, qualquer defensor poderá ajudar ou encaminhar internamente.
  • Ministério Público: O Ministério Público (Promotor de Justiça) atua nos casos criminais de violência doméstica – é quem denuncia o agressor e sustenta a acusação. Você não precisa “pagar” por isso, é dever do Estado. Muitos MPs também têm Centros de Apoio ou Promotorias especializadas que auxiliam as vítimas, esclarecendo seus direitos. Em audiências, esteja acompanhada pelo MP ou advogado/defensor.
  • Centros de Referência de Atendimento à Mulher: São unidades de atendimento psicossocial espalhadas em diversas cidades, geralmente mantidas por prefeituras ou governos estaduais (às vezes chamados de CRAM – Centro de Referência de Atendimento à Mulher, ou Centro Especializado da Mulher). Nesses locais, psicólogos e assistentes sociais atendem a vítima, oferecem acolhimento emocional, orientação profissional, orientação sobre benefícios sociais e jurídicos. O acompanhamento psicológico é fundamental para a mulher ressignificar a experiência de violência, recuperar a autoestima e planejar o futuro sem o agressor. Procure informações na Secretaria de Assistência Social ou Coordenadoria da Mulher do seu município sobre o centro de referência mais próximo.
  • Casas-Abrigo (Abrigos sigilosos): Em situações de risco grave – por exemplo, quando a mulher corre perigo de morte se permanecer em casa – existem as casas-abrigo, que são locais sigilosos onde a vítima (e seus filhos menores, se houver) podem ficar temporariamente em segurança, com moradia, alimentação e apoio, enquanto medidas mais permanentes são tomadas. A localização desses abrigos é mantida em segredo para proteção. A entrada costuma ser por encaminhamento dos centros de referência ou decisão judicial, dada a gravidade. Se você se sentir em risco extremo, manifeste às autoridades o desejo de ir para um abrigo seguro.
  • Serviços de Saúde e Apoio psicológico: Se a violência resultou em ferimentos, procure imediatamente um hospital ou posto de saúde. Profissionais de saúde têm obrigação de notificar casos de violência contra a mulher (notificação compulsória não é a mesma coisa que denúncia criminal, mas ajuda a mapear e encaminhar). Busque também acompanhamento de saúde mental – muitos hospitais públicos têm ambulatórios de psicologia ou psiquiatria, e os Centros de Referência citados oferecem psicólogos. Algumas universidades também têm clínicas-escola de psicologia que atendem gratuitamente. Cuidar das feridas emocionais é tão importante quanto das físicas. Não tenha vergonha de procurar terapia ou grupos de apoio; conversar sobre o que viveu vai te ajudar a sair da posição de vítima e se fortalecer como sobrevivente.
  • Rede de Apoio Comunitária: Apoio não vem só de instituições. Família, amigos, vizinhos e colegas de trabalho formam uma rede de apoio informal que pode ser crucial. Se você é vítima, procure alguém de confiança para desabafar e pedir ajuda prática (como hospedar você por uns dias, cuidar das crianças enquanto resolve questões legais, etc.). Se você é alguém próximo da vítima, ofereça ativamente esse suporte: muitas mulheres não pedem por medo de incomodar, mas sua ajuda pode salvar uma vida. A comunidade também pode pressionar autoridades locais por políticas de proteção mais efetivas e divulgar campanhas de conscientização.
  • Medidas de empoderamento econômico: Uma vez rompida a relação abusiva, muitas vezes a mulher precisa retomar sua independência financeira. Procure programas de governo ou ONGs que ofereçam cursos profissionalizantes, oportunidades de emprego, microcrédito para mulheres. A autonomia financeira é um pilar para reconstruir a vida longe do agressor, evitando recaídas ou dependências futuras.

Importante: Todo esse caminho – denúncia, medidas protetivas, sair de casa ou tirar o agressor de casa, enfrentar um processo, reconstruir a vida – é desafiador. É comum a vítima sentir medo, insegurança sobre o futuro e até culpa. Por isso, a presença de uma rede de apoio é vital: para fortalecer emocionalmente (ter alguém com quem conversar, que reforce que você tomou a decisão certa), para orientar nos trâmites (às vezes as informações são confusas, cada órgão explica um pedaço; um assistente social ou advogado pode guiar no passo a passo), e para ajudar em necessidades práticas (moradia temporária, empréstimo de dinheiro, cuidado com filhos, etc.). Não hesite em utilizar TUDO que estiver ao alcance – leis, instituições e pessoas – para garantir sua segurança e seus direitos. Você tem direito a uma vida livre de violência.

Efeitos psicológicos e sociais da violência doméstica

A violência doméstica não afeta apenas o momento em que ocorre – seus impactos são duradouros na vida da mulher e na sociedade como um todo. Compreender esses efeitos psicológicos e sociais é importante tanto para que a vítima busque ajuda adequada quanto para que a sociedade ofereça as respostas necessárias (como apoio psicossocial e não culpabilização da vítima). Vejamos alguns desses efeitos:

Efeitos psicológicos na vítima: As mulheres que passam por violência frequentemente desenvolvem transtornos psicológicos decorrentes do trauma. Depressão e ansiedade estão entre os mais comuns; a mulher pode apresentar profunda tristeza, desinteresse pelas atividades antes prazerosas, sentimento de desesperança, medo constante e preocupações excessivas. Síndrome do pânico (crises de terror e sensação de morte iminente) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) também podem surgir, especialmente após episódios muito violentos – a vítima revive mentalmente a agressão, tem pesadelos, hipervigilância (fica sempre em alerta, esperando o pior). Muitas desenvolvem baixa autoestima e sentimentos de culpa – devido às manipulações do agressor, acabam acreditando que “merecem” ou “provocaram” a violência, o que não é verdade. Em casos prolongados, pode aparecer a chamada “síndrome da mulher maltratada”, um quadro em que a mulher se sente tão desvalorizada e impotente que tem dificuldade de sair da relação abusiva, entrando em uma espécie de desesperança aprendida.

É importante citar que os efeitos podem ser psicossomáticos também: insônia, perda ou aumento de apetite, dores crônicas (dores de cabeça, dores pelo corpo), problemas gastrointestinais, tudo isso pode ter fundo emocional ligado ao estresse da violência.

Sem tratamento e apoio, algumas vítimas chegam a pensar em suicídio como saída, tamanho o desespero. Por isso, oferecer suporte psicológico e psiquiátrico é literalmente salvar vidas. Com acompanhamento, muitas dessas sequelas podem ser gradualmente superadas: a mulher pode resgatar sua autoestima, entender que a culpa não era dela, aprender mecanismos para lidar com traumas (terapias cognitivo-comportamentais e grupos de apoio têm bons resultados) e reconquistar a autonomia emocional.

Efeitos nos filhos e na família: Quando há crianças ou adolescentes no ambiente doméstico violento, eles também sofrem – mesmo que não sejam alvos diretos, apenas testemunhar a violência entre os pais já configura uma forma de abuso infantil. Esses menores podem desenvolver traumas, problemas de comportamento, agressividade ou dificuldades escolares. Além disso, pesquisas indicam que meninos que crescem em lares violentos têm maior propensão a, no futuro, reproduzirem o comportamento agressor; e meninas têm mais risco de se envolverem em relações abusivas, por terem isso como “modelo” do que é um relacionamento. Ou seja, a violência doméstica gera um ciclo intergeracional, afetando o tecido familiar a longo prazo. Por isso a Lei Maria da Penha também prevê proteção aos dependentes da vítima – é fundamental quebrar esse ciclo para que a próxima geração não sofra o mesmo.

Efeitos sociais e econômicos: No âmbito social, a violência doméstica costuma levar ao isolamento da mulher. Ela se afasta de amigos e familiares (seja porque o agressor a isolou, seja por vergonha do que está passando), perdendo sua rede de convivência. Isso aprofunda a dependência do agressor e gera solidão. No trabalho, o desempenho pode cair – a vítima frequentemente falta ao serviço por causa de lesões ou stress, ou não consegue se concentrar, o que pode levar a perda do emprego ou dificuldades de progressão na carreira. Algumas empresas relatam que colaboradoras vítimas de violência faltam 18 dias de trabalho por ano em média devido a consequências das agressões.

Em escala macro, a violência doméstica tem custo alto para a sociedade. Estudo do IBGE mostrou que em 2019 cerca de 3,5 milhões de pessoas no Brasil tiveram que se afastar de suas atividades (trabalho ou estudo) por consequência da violência sofrida, e a maioria dessas pessoas eram mulheres. Ou seja, a violência incapacita temporariamente ou permanentemente indivíduos que deixam de produzir e participar da vida econômica. Custos médicos também são elevados – emergências, internações, tratamentos de saúde devido às lesões ou transtornos causados. O sistema de justiça arca com inúmeros processos. Enfim, toda a sociedade paga o preço quando a violência não é contida.

Estigmas e impactos na autoestima social: A mulher vítima de violência muitas vezes enfrenta estigmatização. Apesar de a culpa nunca ser da vítima, ainda existem pessoas na sociedade que julgam – perguntam “por que ela não saiu antes?”, “será que ela não exagera?”, etc. Esse julgamento pode calar a vítima, que sente medo de não acreditarem nela. Precisamos, enquanto sociedade, romper esses estigmas e apoiar as sobreviventes. Uma mulher que rompe o silêncio e denuncia está dando um passo corajoso; o entorno social precisa acolhê-la, não culpá-la. Campanhas de conscientização, como o Agosto Lilás, têm tentado mudar a mentalidade coletiva, mostrando que violência contra a mulher é um problema de todos e que o agressor é o único culpado.

Recuperação e empoderamento: Apesar dos pesados efeitos negativos, é importante dizer: é possível superar. Com acesso à rede de apoio, muitas mulheres conseguem reconstruir sua vida, retomar os estudos, a carreira, criar os filhos num ambiente saudável, e até ajudar outras mulheres em situação semelhante. Histórias de sobreviventes mostram que após sair do ciclo de violência e receber apoio, elas podem se tornar mais fortes e conscientes de seus direitos do que nunca. A resiliência existe – mas ninguém deve passar por isso sozinho. A chave está no apoio: psicológico (terapia, grupos), social (amigos, família, novas atividades que resgatem a autoestima), e jurídico (justiça sendo feita, sensação de proteção pelo Estado).

Em resumo, a violência doméstica abala profundamente a saúde mental, física, a estabilidade financeira e os laços sociais da vítima. Também prejudica o desenvolvimento dos filhos e impõe custos e dores à sociedade. Por outro lado, combater a violência e apoiar as sobreviventes traz benefícios imensos: mulheres seguras e empoderadas participam ativamente da economia e da comunidade, filhos criados em ambiente sem violência têm mais chances de se tornarem adultos saudáveis, e os recursos públicos podem ser investidos em desenvolvimento ao invés de remediar consequências da violência. A importância da rede de apoio não pode ser subestimada: ela é que vai ajudar a vítima a transpor os efeitos negativos e retomar as rédeas de sua vida.

A importância da rede de apoio

Como mencionado, quebrar o ciclo da violência não é fácil e muitas vezes a mulher não consegue fazê-lo sem apoio externo. A rede de apoio – formada por familiares, amigos, vizinhos, colegas, além das instituições especializadas – funciona como um colchão de segurança onde a vítima pode se amparar.

Em primeiro lugar, a vítima precisa se sentir acolhida e acreditada. A violência doméstica muitas vezes mina a autoconfiança e a pessoa começa a duvidar de si (especialmente sob gaslighting e humilhações). Quando ela encontra alguém que a escuta sem julgar e reafirma que ela não merece aquilo, que existe saída, ela ganha forças para dar passos importantes. Por isso, se alguém lhe confidenciar que sofre violência, escute e acredite no relato. Frases simples como “eu estou do seu lado”, “você não tem culpa”, “vamos buscar ajuda juntos” podem quebrar anos de isolamento e vergonha.

A rede de apoio também é prática: muitas mulheres temem denunciar porque dependem do agressor financeiramente ou não têm onde morar caso se separem. Se familiares ou amigos se dispõem a oferecer abrigo temporário, apoio financeiro emergencial ou ajuda com empregos, isso remove barreiras concretas para a mulher sair da situação de violência. Comunidades podem organizar vaquinhas, arrecadar donativos, dar suporte material. Há casos de vizinhos que, sabendo da violência, criam sinalizações combinadas (por exemplo, a mulher acende uma luz específica para indicar que precisa de ajuda e o vizinho chama a polícia). Essas atitudes salvam vidas.

No aspecto emocional, fazer parte de grupos de apoio com outras sobreviventes é muito transformador. Ao conversar com quem passou por situação semelhante, a mulher percebe que não está sozinha, que não é a única a ter demorado para sair, ou ter sentimentos contraditórios (muitas ainda amam o parceiro agressor e sofrem com isso). Esses grupos existem em centros de referência e ONGs, e ajudam a ressignificar a vivência, trocar estratégias de superação e encorajar umas às outras.

A rede estatal (polícia, justiça, saúde) faz sua parte protegendo e punindo, mas a rede comunitária e afetiva é insubstituível para devolver a essa mulher seu lugar na sociedade. Uma vez segura e longe do agressor, ela precisará reconstruir autoimagem e autonomia – e isso se faz com relações sociais positivas, através de trabalho, estudo, participação em atividades coletivas. Assim, toda a sociedade pode contribuir: combater o machismo estrutural que normaliza certas violências, divulgar informação correta sobre os direitos da mulher, e não se calar diante de situações de abuso. Denunciar anonimamente (pelo 180 ou 190) ao perceber sinais numa vizinhança, por exemplo, é um dever cívico. Claro, sempre tentando respeitar a vontade da vítima – mas em casos de emergência, melhor salvar uma vida mesmo contra hesitações momentâneas.

Em suma, a rede de apoio funciona como um braço estendido para puxar a mulher para fora do buraco da violência. Cada pessoa que oferece ajuda – seja profissionalmente ou por laços pessoais – é um fio dessa rede. E quanto mais forte a rede, mais fácil da vítima se segurar e não cair de volta. Vale repetir o lema de campanhas: “Você não está sozinha”. Isso precisa se traduzir em ações concretas e continuidade. A luta contra a violência doméstica é coletiva.

Uso indevido da lei e falsas denúncias

A Lei Maria da Penha e os mecanismos de proteção à mulher são conquistas fundamentais, porém é preciso usá-los com responsabilidade e boa-fé. Infelizmente, em raros casos, há pessoas que tentam fazer mau uso da legislação, por exemplo, realizando denúncias falsas de violência doméstica para prejudicar alguém injustamente (seja por vingança, disputa de guarda, etc.). Embora estudos mostrem que a imensa maioria das denúncias de violência doméstica têm fundamento (não há estatísticas oficiais específicas, mas órgãos como o CNJ afirmam que não existem dados que corroborem porcentagens elevadas de falsas acusações; a ideia de que “97% seriam falsas” é um mito sem base), é importante abordar esse tema de forma técnica e responsável.

Em primeiro lugar, destacar que falsa comunicação de crime é por si só crime. O Código Penal, no seu art. 339, tipifica a chamada denunciação caluniosa: “Dar causa à instauração de inquérito policial, de processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente, com pena de reclusão de 2 a 8 anos, e multa. Ou seja, se uma pessoa (homem ou mulher) inventa uma acusação contra alguém sabendo que é mentira, e provoca a máquina pública (polícia, justiça) a agir contra um inocente, ela está cometendo um crime grave e poderá ser processada e punida por isso. No contexto da Lei Maria da Penha, se uma mulher registra uma ocorrência falsa acusando o parceiro de agressão que nunca ocorreu, e isso for comprovado mais tarde, ela pode responder por denunciação caluniosa, além de possíveis sanções civis (indenização por danos morais ao acusado injustamente).

É importante diferenciar: denúncia não comprovada não é necessariamente falsa. Muitas vezes um caso é arquivado ou resulta em absolvição por falta de provas suficientes, mas isso não significa que a mulher mentiu – pode ter havido dificuldade probatória, ausência de testemunhas, etc. A falsa denúncia é aquela que a pessoa inventa dolosamente, de má-fé. E para punir alguém por denunciação caluniosa, deve-se demonstrar essa má-fé e a inocência do acusado no fato alegado. Ou seja, há um filtro forte para evitar que vítimas verdadeiras sejam acusadas de falsa denúncia apenas porque o agressor escapou por falta de prova.

Dito isso, a possibilidade de uso indevido da lei preocupa porque atrapalha a credibilidade das verdadeiras vítimas e congestiona o sistema. Casos isolados de falsas denúncias podem ganhar repercussão e fazer a sociedade (ou alguns operadores do direito) ficarem céticos, prejudicando quem realmente precisa. Portanto, quem pensa em instrumentalizar a Lei Maria da Penha para objetivos escusos deve ter em mente que: além de antiético, isso é crime e será punido. A própria Maria da Penha (a pessoa) já declarou que a lei não compactua com falsas acusações e que mulheres que fazem isso devem ser responsabilizadas nos termos da lei.

Existe também o artigo 340 do Código Penal, que trata de comunicação falsa de crime (apenas informar às autoridades um crime inexistente, sem acusar pessoa determinada) – com pena de detenção de até 6 meses. Porém, no contexto de acusar alguém, aplica-se o 339 (mais grave). Houve atualização em 2020 pela Lei 14.110, que deixou claro que imputar infração administrativa disciplinar falsa também é denunciação caluniosa – isso cobre acusações em âmbito de empresas, conselhos profissionais, etc., para ninguém usar falsas queixas como forma de retaliação.

Como lidar com a alegação de falsa denúncia? Se você for vítima real e o agressor te acusar de estar mentindo (uma tática comum de defesa deles), mantenha-se firme e busque reunir evidências. Confie no processo legal – as investigações apuram os fatos, e raramente uma mentira elaborada sustentará um processo (há inquérito, perícias, etc.). Se você for falsamente acusado, saiba que tem o direito de provar sua inocência e, depois, buscar responsabilização de quem o acusou injustamente. Porém, é prudente que todas as denúncias de violência doméstica sejam inicialmente tratadas como verdadeiras até prova em contrário, pelo princípio da proteção à vítima. É preferível investigar e depois eventualmente concluir que era falsa (punindo quem mentiu) do que não dar crédito e deixar de salvar alguém em perigo.

O ponto fundamental deste tópico é: a legislação brasileira é séria e não tolera fraudes. A Lei Maria da Penha veio para proteger quem realmente sofre violência. Qualquer tentativa de usá-la indevidamente fere a credibilidade do sistema e, quando descoberta, também gera punição severa. Então, o recado é duplo: às mulheres vítimas, não tenham medo de não acreditarem em vocês – denunciem, o sistema está preparado para apurar a verdade; às pessoas mal intencionadas, não usem a lei para fins escusos, pois responderão por isso.

Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça esclareceu que não há estatística oficial de falsas denúncias de violência doméstica e que alegações de porcentagens altíssimas de falsidade são infundadas. Isso indica que casos assim são tão excepcionais que nem há base de dados específica – a maioria das denúncias procede, sim. Assim, podemos ter confiança de que a Lei Maria da Penha, em regra, está sendo utilizada pelas verdadeiras vítimas para buscar socorro, e continua sendo uma ferramenta indispensável de justiça social. Como sociedade, devemos evitar disseminar mitos sobre falsas denúncias generalizadas, pois isso silencia vítimas reais (que passam a ter medo de não acreditarem nelas). Deve-se reafirmar: a falsa denúncia é a exceção, não a regra, e quando ocorre, há previsão legal para puni-la.

Conclusão

A violência doméstica e familiar contra a mulher é uma realidade cruel que precisamos enfrentar com conhecimento, solidariedade e ação firme. Ao longo deste manual, vimos que essa violência assume muitas faces – física, psicológica, sexual, patrimonial, moral – todas devastadoras para a dignidade e os direitos da mulher. Aprendemos a reconhecer os sinais, muitas vezes silenciosos, que indicam que uma mulher pode estar sofrendo abuso. Apresentamos os recursos que o ordenamento jurídico brasileiro oferece: canais de denúncia anônimos e de emergência, proteção policial, medidas protetivas legais que salvaguardam a vítima, atendimento especializado nas delegacias, e suporte jurídico, psicológico e social através de uma rede de serviços e pessoas dispostas a ajudar. Também discutimos os efeitos profundos que a violência causa na saúde mental, na vida social e no futuro de famílias inteiras – reforçando como é urgente romper o ciclo. Por fim, esclarecemos que a lei existe para proteger os vulneráveis e punir agressores, e que seu uso indevido é raro e ele mesmo punível, de modo que não se justifica desacreditar das denúncias em geral.

Nossa mensagem final é de esperança e encorajamento. A batalha para erradicar a violência contra a mulher é desafiadora, mas cada passo conta: cada informação compartilhada, cada sinal identificado precocemente, cada denúncia realizada, cada medida protetiva concedida, cada vida salva. Se você, leitora, se identificou com algo descrito aqui e percebeu que é vítima de violência, esperamos que este manual lhe dê coragem para buscar ajuda e a certeza de que você tem direito a uma vida sem violência. Procure apoio – você merece segurança, respeito e felicidade. Se você não é vítima, mas é mãe, pai, amigo, colega, vizinho, seja parte ativa da solução: divulgue conhecimento, ofereça suporte, não seja omisso diante de violência. A mudança cultural é tão importante quanto a jurídica – precisamos educar meninos e meninas no respeito mútuo, combater o machismo cotidiano, para que as relações futuras sejam mais saudáveis e igualitárias.

No Brasil, a Lei Maria da Penha salvou e continua salvando inúmeras mulheres, servindo de modelo inclusive internacional. Ela é uma conquista de toda a sociedade. Faça valer esses direitos – conheça-os, espalhe a informação. Violência doméstica não é um “assunto privado”, é crime e deve ser denunciado. E lembre-se: há toda uma rede de pessoas e instituições dizendo a cada mulher em situação de abuso: você não está sozinha, nós acreditamos em você, e vamos caminhar ao seu lado rumo a uma vida livre de violência.

Referências e Fontes Consultadas:

  • Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha (Brasil).
  • Portal do Senado Federal – Observatório da Mulher contra a Violência: Definições dos tipos de violência doméstica; Pesquisa DataSenado 2023 sobre violência contra a mulher.
  • Instituto Maria da Penha: Exemplos e explicações de cada tipo de violência doméstica.
  • CNJ – Conselho Nacional de Justiça: Informações sobre a Lei Maria da Penha e funcionamento dos juizados especializados.
  • IBGE – Pesquisa Nacional de Saúde 2019: Dados estatísticos sobre prevalência de violências física, sexual e psicológica, perfil de agressores e consequências (Agência de Notícias IBGE).
  • DataSenado – 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher (2023): Percentual de brasileiras vítimas de violência, descumprimento de medidas protetivas.
  • Câmara Municipal de Mário Campos – Agosto Lilás (2024): Artigo com dicas para reconhecer sinais de violência doméstica e como agir.
  • Cartilha “Enfrentando a Violência Doméstica” – Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (2020): Orientações simplificadas sobre canais de denúncia (Ligue 180) e tipos de violência.
  • Notícias STJ e STF (2021-2025): Jurisprudência recente confirmando aplicação da Lei Maria da Penha a mulheres trans e decisão do STF estendendo proteção a relacionamentos homoafetivos femininos e masculinos.
  • UOL Confere (2024): Checagem sobre falsas denúncias e posição do CNJ informando inexistência de dado oficial sobre esse tema.
  • Código Penal Brasileiro: Art. 339 – Denunciação caluniosa (com redação dada pela Lei 14.110/2020).

(Todas as informações acima estão baseadas na legislação pátria e em fontes confiáveis, como órgãos governamentais de direitos humanos, pesquisas oficiais e jurisprudência atualizada, visando assegurar precisão e atualidade no conteúdo.)

Paulo Moraes

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