COLABORAÇÃO PREMIADA E SANÇÕES ATÍPICAS, ANÁLISE AGRG NA PETIÇÃO
Paulo Marcos de Moraes
Processo AgRg na Pet 12673 / DF AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO 2019/0103188-5 Relator Ministro RAUL ARAÚJO ( 1143) Órgão Julgador CE – CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 23/11/2023 Data da Publicação/Fonte DJe 12/03/2024 Ementa PROCESSUAL PENAL. COLABORAÇÃO PREMIADA. SANÇÕES PREMIAIS ATÍPICAS. RECOLHIMENTO DOMICILIAR IMEDIATO, APÓS A HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTO DESPROVIDO. 1. A colaboração premiada, meio de obtenção de provas, possui a natureza jurídica de negócio jurídico e, como tal, garante às partes margem razoável de definição do conteúdo da avença, abrangendo os deveres reforçados e as vantagens alcançadas, mas não sem limites. 2. Conforme entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (Pet 13.974/DF), é legítimo a fixação de avaliações premiais atípicas no bojo do acordo de colaboração premiada, não estando como partes limitadas aos benefícios do art. 4º, caput, da Lei n. 12.850/2013, desde que não haja “violação à Constituição (ex. pena de caráter perpétuo – art. 5º, XLVII, (…) ou ao ordenamento jurídico (ex. obrigação de levantamento de sigilo de dados de terceiros), bem como à moral e à ordem pública (por exemplo, penas vexatórias)”. 3. Dentre as avaliações premium atípicas admitidas pelo ordenamento jurídico figura o pronto cumprimento, após a necessidade de homologação judicial do acordo de colaboração premiada, da restrição da liberdade nos benefícios termos pactuados, em regime diferenciado, de natureza domiciliar, independentemente do quantitativo da pena prevista para o crime não qualquer que envolva o colaborador, e com o abrandamento das restrições em intervalos de tempo mais vantajosos do que as previstas na Lei n. /84 (Lei de Execução Penal 4. A privação de liberdade oriunda do acordo de colaboração premiada não equivale à prisão-pena, este sim fruto da jurisdição, corporificada). em édito condenatório transitado em julgado. A sanção atípica oriunda da livre negociação das partes, na realidade, prescinde da formação jurisdicional da culpa, tanto que o eventual descumprimento dos termos do regime não implica o retorno (ou o início) coercitivo à prisão, mas sim apenas a rescisão do acordo, com o oferecimento da denúncia, quando dispensada, e a perda dos benefícios outros assegurados. 5. Tendo em vista que o acordo de colaboração premiada, como ocorrer nas hipóteses, poderá prever o não oferecimento da denúncia (Lei 12.850/2013, art. 4º, §7º-A), condicionar a aplicação de sanções atípicas de conteúdo semelhantes às penas previstas na legislação penal – serem elas privativas de liberdade em regime diferenciado, restritivas de direitos ou multa – à prorrogação da sentença condenatória levaria a evidente paradoxo, pois, sem denúncia, não haverá sentença. Em consequência,a concessão deste benefício não encontraria reflexo em qualquer medida restritiva, embora o colaborador tenha o dever de “narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados” (Lei n. 12.850/2013, art. 3º -C, § 3º). 6. Apenas o reconhecimento de que não se está a tratar de pena – mas sim de condição do acordo, sujeito ao controle de legalidade do magistrado responsável pela homologação (Lei n. 12.850/2013, art. 4º, § 7º, I) – é capaz de garantir a praticidade prática ao instituto da colaboração premiada, na medida em que oportunizará aos atores estabelecerem os benefícios adequados e seu momento oportuno de execução, sempre conscientes de que, ressalvada a hipótese de não oferecimento da denúncia, caberá à futura sentença a concessão definitiva dos benefícios acordados. 7. Agravo regimental desprovido. Acórdão Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. A Ministra Nancy Andrighi acompanhando a divergência, os votos das Srs. Ministros Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Antonio Carlos Ferreira no mesmo sentido, e os votos dos Srs. Os Ministros João Otávio de Noronha, Herman Benjamin, Og Fernandes, Maria Isabel Gallotti, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sérgio Kukina acompanhando o relator, a Corte Especial, por maioria, decidem negar o provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. . Vencidos os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Nancy Andrighi, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves, que davam provimento ao agravo. Uma Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e as Irs. Os Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Sérgio Kukina, João Otávio de Noronha, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator. Consideraram-se aptos a votar as Irs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, João Otávio de Noronha, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão. Ausentes, justificadamente, as Srs. Ministros Francisco Falcão, Sebastião Reis Júnior e Joel Ilan Paciornik. Aposentada à Sra. Ministra Laurita Vaz. Informações Complementares à Ementa “[…] a regra de que a garantia constitucional da presunção de inocência (Constituição, art. 5º, LVII) impede a execução de sanções penais antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, introduzida pelo Supremo Tribunal Federal nas ADCs nº 43, 44 e 54, está adstrita às situações em que o titular da ação penal busca a formação jurisdicional da culpa, e não ao âmbito negocial, nas quais medidas semelhantes às penas mas o que com elas não se confunde é comumente aplicado, independentemente de qualquer edital condenatório”. (VOTO VENCIDO) (MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES) “[…] ante a certeza de que a cláusula estipulada ‘possui nítida e inegável feição de pena’, e de que, em momento superveniente à homologação do instrumento negocial o Supremo Tribunal Federal redimensionou a garantia fundamental consignada no art. 5º, inciso LVII,da Constituição Federal, para proscrever o cumprimento da prisão-pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, imperioso é o acolhimento da insurgência, ‘apenas e tão somente’, para obstar a produção imediata de efeitos da cláusula ‘a’ da cláusula 6ª do instrumento negocial, ao menos até que a culpabilidade do colaborador possa ser aquilatada em sentença penal condenatória, momento propício para a aferição da efetividade da colaboração, e aplicação dos benefícios consignados no acordo, como manda a lei 12.850/13”
INTRODUÇÃO
O Agravo Regimental na Petição 12673/DF apresenta questões fundamentais sobre os limites e a conformidade das sanções premiais atípicas pactuadas em acordos de colaboração premiada. O julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a compatibilidade dessas sanções com princípios constitucionais e processuais, consolidando precedentes relevantes para a aplicação da Lei 12.850/2013. A decisão abordou especialmente a possibilidade de recolhimento domiciliar imediato, desprovido de natureza coercitiva, demonstrando como a colaboração premiada se insere na lógica da justiça penal negocial.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
A colaboração premiada, conforme destacado por De Lorenzi (2019)[1], configura-se como um negócio jurídico processual, com efeitos no direito penal material e instrumentalizado por meio de uma lógica utilitarista. Tal instituto busca maximizar a eficiência na obtenção de provas e na persecução penal, especialmente em crimes complexos, como aqueles envolvendo organizações criminosas. A legislação brasileira, fundamentada na Lei 12.850/2013, adota um modelo híbrido que combina elementos do direito penal material e processual, permitindo uma ampla negociação entre as partes.
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA DECISÃO
NATUREZA JURÍDICA E FLEXIBILIDADE DAS SANÇÕES PREMIAIS
No caso em análise, o STJ [2]reafirmou que a colaboração premiada permite a fixação de sanções premiais atípicas, desde que estas não contrariem princípios constitucionais e legais. Conforme o entendimento da Corte, tais sanções:
- Não podem violar a Constituição Federal, como nos casos de penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII);
- Devem respeitar os limites do ordenamento jurídico, vedando-se imposições como a quebra de sigilo de terceiros sem respaldo legal;
- Precisam ser compatíveis com a moralidade e a ordem pública, evitando penas de caráter vexatório .
A decisão também ressaltou que as sanções atípicas não podem ser confundidas com penas no sentido estrito. Elas são condições contratuais pactuadas pelas partes, cuja execução depende da homologação judicial e do cumprimento dos termos acordados.
RECOLHIMENTO DOMICILIAR COMO CONDIÇÃO NEGOCIAL
O ponto central da discussão foi a possibilidade de recolhimento domiciliar imediato, uma sanção atípica que não possui natureza coercitiva, mas sim de cumprimento voluntário do acordo. A Corte[3] enfatizou que, diferentemente da prisão-pena, essa medida não está vinculada à formação jurisdicional da culpa e não implica restrição definitiva da liberdade. Em caso de descumprimento, a consequência seria a rescisão do acordo e a perda dos benefícios, sem a aplicação direta de medidas punitivas .
Essa visão é corroborada por De Lorenzi, que aponta que o instituto da colaboração premiada não deve ser encarado como uma substituição ou mitigação da pena em si, mas como um instrumento utilitário voltado à facilitação da investigação e da persecução penal. Ele destaca que “a negociação de prêmios não previstos em lei e a preponderância da eficácia em detrimento da gravidade do fato e da culpabilidade do agente são elementos marcantes desse modelo negocial”
COMPATIBILIDADE COM A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
A decisão abordou ainda a relação entre as sanções premiais e a garantia constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII). O STJ concluiu que essa garantia se aplica às penas tradicionais e não às medidas atípicas previstas em acordos de colaboração premiada, uma vez que estas não têm caráter punitivo, mas sim negocial. Essa distinção é essencial para viabilizar a eficácia da colaboração premiada como ferramenta de justiça penal
REFLEXÕES CRÍTICAS E DOUTRINÁRIAS
De Lorenzi [4]observa que a ampla discricionariedade atribuída ao Ministério Público e à autoridade judiciária na homologação e na execução dos acordos de colaboração premiada é uma característica que, embora fundamental para sua eficácia, pode gerar distorções na aplicação prática. Segundo o autor, “a análise judicial está restrita à verificação dos requisitos formais do acordo e à eficácia da colaboração na sentença, o que limita o controle de proporcionalidade das sanções pactuadas”
Adicionalmente, o autor alerta para o risco de desvirtuamento do instituto, sobretudo pela possibilidade de negociação de benefícios que extrapolem os limites estabelecidos na legislação. Ele argumenta que a preponderância da utilidade em detrimento da culpabilidade pode comprometer a legitimidade do sistema penal, uma vez que reduz a relevância dos fundamentos axiológicos que sustentam a individualização da pena
CONCLUSÃO
O Agravo Regimental na Petição 12673/DF[5] reafirma a centralidade da colaboração premiada no modelo de justiça penal negocial adotado no Brasil. Ao admitir a aplicação de sanções premiais atípicas, como o recolhimento domiciliar imediato, o STJ reconhece a flexibilidade e a eficácia do instituto na obtenção de provas e no desmantelamento de organizações criminosas. Contudo, a decisão evidencia também os desafios e as controvérsias decorrentes dessa flexibilidade, incluindo a necessidade de maior uniformização e controle judicial.
Conforme destacado por De Lorenzi, é imprescindível que o instituto da colaboração premiada mantenha sua consonância com os princípios fundamentais do direito penal e processual, equilibrando a busca pela eficiência com a preservação da segurança jurídica e da justiça material. A consolidação de parâmetros claros e a definição de limites mais rigorosos para as sanções atípicas são passos cruciais para o aperfeiçoamento desse mecanismo essencial na luta contra a criminalidade organizada.
Bibliografia
- DE LORENZI, Felipe da Costa. A determinação da pena na colaboração premiada: análise da fixação dos benefícios conforme a Lei 12.850/2013 e o Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 155, p. 293-337, São Paulo: Editora RT, 2019.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental na Petição 12673/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 23.11.2023, publicado no DJe de 12.03.2024.
- BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Lei das Organizações Criminosas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
- STF. HC 127.483/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27.08.2015. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
[1] 1. De Lorenzi aponta que a colaboração premiada deve ser compreendida como um negócio jurídico processual, caracterizado pela interação entre direito penal material e processual, em que os benefícios pactuados dependem de sua homologação judicial (DE LORENZI, 2019, p. 293).
[2] 2. A Corte Especial do STJ afirmou que as sanções atípicas previstas em acordos de colaboração premiada não configuram penas no sentido estrito, mas sim condições negociadas, sujeitas ao controle de legalidade na homologação (AgRg na Pet 12673/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, j. 23.11.2023).
[3] 3. O recolhimento domiciliar imediato, previsto como sanção atípica, foi analisado no caso como compatível com os princípios constitucionais desde que vinculado ao cumprimento voluntário das obrigações assumidas no acordo (AgRg na Pet 12673/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, j. 23.11.2023).
[4] 4. Conforme entendimento doutrinário, a preponderância da eficácia utilitarista sobre critérios de culpabilidade e gravidade do fato na colaboração premiada pode gerar distorções práticas, especialmente em acordos que extrapolem os limites previstos na Lei 12.850/2013 (DE LORENZI, 2019, p. 295-296).
[5] 5. O STJ, ao decidir pelo não provimento do agravo regimental, diferenciou sanções premiais de penas propriamente ditas, estabelecendo que aquelas não se submetem à presunção de inocência aplicável às condenações criminais tradicionais (AgRg na Pet 12673/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, j. 23.11.2023).