A Criminalização do Ecocídio no Brasil: Um Passo Urgente para a Proteção Ambiental Global
Por Paulo Moraes, advogado especialista em Direito Penal Económico, fundador do Instituto ODS da Amazônia
O mundo enfrenta atualmente uma crise ambiental sem precedentes. A destruição de ecossistemas essenciais à vida humana e à biodiversidade do planeta tem sido catalisada por práticas industriais e agrícolas insustentáveis, muitas delas enraizadas em um modelo económico predatório. A Amazônia, em particular, tem sido vítima constante de ações devastadoras, que incluem desmatamento em larga escala, mineração ilegal e queimadas. Estas práticas não apenas afetam o Brasil, mas têm repercussões globais, tornando o ecocídio uma questão urgente de justiça climática e de direitos humanos.
Diante desse cenário, a criminalização do ecocídio é uma medida imperativa que deve ser adotada para garantir a proteção da Amazônia e de outros ecossistemas. O presente artigo analisa o conceito de ecocídio, a sua relevância no contexto jurídico e ambiental brasileiro, e defende a necessidade de inclusão deste crime no ordenamento jurídico nacional.
O Conceito de Ecocídio e sua Evolução no Direito Internacional
Ecocídio, na sua essência, é definido como a destruição massiva e intencional do meio ambiente, que resulta na perda irreversível de biodiversidade e afeta drasticamente os ciclos ecológicos que sustentam a vida. O termo, embora relativamente novo no discurso jurídico global, já é discutido em organismos internacionais como o Tribunal Penal Internacional (TPI), onde é considerado para inclusão como o “quinto crime contra a paz”, ao lado de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e agressão.
A primeira menção formal do ecocídio ocorreu na década de 1970, em resposta ao uso de armas químicas na Guerra do Vietnã, como o Agente Laranja, que devastou florestas tropicais e contaminou vastas áreas de solo e cursos de água. Desde então, o conceito tem evoluído, abrangendo uma gama mais ampla de atividades humanas que causam dano ambiental significativo, como desastres industriais e práticas agrícolas não sustentáveis.
Atualmente, países como a França já discutem a tipificação do ecocídio em suas legislações nacionais, promovendo um debate global sobre a urgência da criminalização de atos que comprometam o meio ambiente em grande escala. O Brasil, enquanto nação que abriga a maior floresta tropical do planeta, deve assumir um papel de liderança nesse processo.
A Situação Brasileira: Amazônia como Epicentro da Destruição Ambiental
A Amazônia, com sua vasta biodiversidade e papel crucial na regulação do clima global, tem sido alvo de intensas atividades predatórias. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na Amazônia Legal alcançou níveis alarmantes nos últimos anos, impulsionado por atividades ilegais de mineração e pecuária, além da expansão agrícola. Essa degradação não se limita ao desmatamento, afetando também os ciclos hídricos, a fauna, e os povos indígenas que dependem diretamente desse ecossistema para sua subsistência.
O impacto dessas ações vai muito além das fronteiras brasileiras. A destruição da Amazônia contribui para o aquecimento global e perturba o equilíbrio climático mundial, colocando em risco a segurança alimentar e hídrica de milhões de pessoas. O crime de ecocídio, portanto, não é apenas uma violação ambiental, mas uma grave ameaça aos direitos humanos e à paz global, o que justifica sua tipificação tanto no Brasil quanto no Direito Internacional.
Fundamentos Jurídicos para a Criminalização do Ecocídio no Brasil
O Brasil possui uma vasta gama de legislações ambientais que poderiam, em tese, mitigar os impactos das atividades predatórias. A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 225, reconhece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, impondo ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Além disso, a Lei nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, estabelece sanções penais e administrativas para condutas lesivas ao meio ambiente. No entanto, embora essa legislação tenha sido um avanço significativo, ela não é suficiente para lidar com a magnitude do problema que enfrentamos atualmente. A legislação vigente trata de crimes ambientais de maneira fragmentada e, muitas vezes, a sanção imposta é desproporcional ao dano causado, especialmente em casos de destruição em larga escala, como os que caracterizam o ecocídio.
A criminalização do ecocídio como um delito autônomo proporcionaria uma resposta mais eficaz às crises ambientais. Para tanto, é necessário que o conceito de ecocídio seja claramente definido, com critérios objetivos que permitam identificar os atos que configuram essa grave ofensa. Uma sugestão seria a adoção de parâmetros semelhantes aos propostos pelo jurista britânico Polly Higgins, que defendia que o ecocídio deveria ser caracterizado por qualquer ato ou omissão que cause um dano severo e duradouro ao meio ambiente, comprometendo a sua capacidade de regeneração.
A criminalização do ecocídio teria, além disso, respaldo nos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. O país é signatário de diversos tratados internacionais que visam a proteção do meio ambiente, como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes e o Acordo de Paris. A tipificação do ecocídio reforçaria o compromisso brasileiro em cumprir suas obrigações internacionais e promoveria uma harmonização com as iniciativas globais em prol da preservação ambiental.
A Responsabilização Penal de Empresas e Gestores
Um dos pontos centrais na tipificação do ecocídio é a responsabilização penal não apenas de indivíduos, mas também de pessoas jurídicas. A prática de atividades predatórias que resultam na destruição de ecossistemas frequentemente é promovida por grandes corporações, cujas ações, movidas por interesses económicos imediatos, ignoram as consequências ambientais de longo prazo.
A Lei de Crimes Ambientais brasileira já prevê a possibilidade de responsabilização penal de pessoas jurídicas, mas essa responsabilização precisa ser ampliada e aplicada com maior rigor em casos de ecocídio. Empresas que deliberadamente promovem ou permitem a destruição de ecossistemas, seja por negligência ou dolo, devem ser responsabilizadas criminalmente. Além disso, é essencial que a legislação preveja mecanismos eficazes para a reparação dos danos ambientais, de forma a garantir que a restauração dos ecossistemas destruídos seja priorizada.
Conclusão
O ecocídio é, sem dúvida, uma das maiores ameaças que enfrentamos na atualidade. A criminalização desse ato no ordenamento jurídico brasileiro não apenas fortaleceria a proteção dos nossos ecossistemas, como a Amazônia, mas também colocaria o Brasil em alinhamento com as discussões internacionais sobre a preservação ambiental e justiça climática.
Como advogado especialista em Direito Penal Económico e fundador do Instituto ODS da Amazônia, acredito que a inclusão do ecocídio como crime no Brasil é um passo necessário para garantir um futuro sustentável e justo. Não se trata apenas de proteger a natureza, mas de assegurar a sobrevivência das gerações futuras e o equilíbrio do nosso planeta.
A implementação dessa medida reforçaria o compromisso do Brasil com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com a comunidade internacional, demonstrando que estamos dispostos a adotar medidas severas contra aqueles que promovem a destruição do meio ambiente em prol de interesses económicos imediatos.
A tipificação do ecocídio no Brasil é uma questão de urgência e justiça intergeracional. O momento de agir é agora.
Paulo Moraes,
Advogado Especialista em Direito Penal Económico,
Fundador do Instituto ODS da Amazônia, Podcast Pra Fazer Direito