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Diferenças Técnicas e Jurídicas entre o Estupro de Vulnerável e o Estupro Cometido Contra Menor de 18 e Maior de 14 Anos

Diferenças Técnicas e Jurídicas entre o Estupro de Vulnerável e o Estupro Cometido Contra Menor de 18 e Maior de 14 Anos

O sistema jurídico brasileiro, no campo do direito penal, aborda o crime de estupro com rigor, especialmente quando envolve menores de idade. Neste artigo, abordaremos as diferenças entre o estupro de vulnerável (menores de 14 anos) e o estupro praticado contra menores de 18 e maiores de 14 anos. Essa distinção é crucial para uma correta interpretação das condutas e das respectivas penas, à luz da legislação e da jurisprudência brasileira.

1. O Crime de Estupro: Artigo 213 do Código Penal

O estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, é caracterizado pelo constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A pena prevista para esse crime, em sua forma básica, varia de 6 a 10 anos de reclusão. No entanto, o parágrafo 1º do artigo, incluído pela Lei 12.015/2009, aumenta a pena para 8 a 12 anos quando a vítima for menor de 18 e maior de 14 anos, ou quando da prática resultar lesão corporal grave.

A lei presume a vulnerabilidade relativa do menor entre 14 e 18 anos, havendo, nesses casos, a necessidade de violência real ou grave ameaça para a configuração do delito, sendo o consentimento da vítima um elemento que pode ser considerado na análise da conduta.

2. Estupro de Vulnerável: Artigo 217-A do Código Penal

O artigo 217-A do Código Penal foi incluído pela mesma Lei 12.015/2009 e trata do estupro de vulnerável. Configura-se esse crime pela prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, ou com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer motivo, não possa oferecer resistência. A pena prevista é de 8 a 15 anos de reclusão, sendo agravada em caso de lesão corporal grave ou morte.

Neste tipo penal, há a presunção absoluta de violência, ou seja, o consentimento da vítima, sua experiência sexual anterior ou até a existência de um relacionamento com o agente são irrelevantes para a caracterização do crime. Tal presunção é reiterada pela Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reforça que “o crime de estupro de vulnerável se configura com a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o consentimento da vítima, sua experiência anterior ou eventual relacionamento amoroso com o agente”.

3. Penas Aplicáveis e Agravantes

Ao analisar as penas, nota-se que o estupro de vulnerável (art. 217-A) possui uma previsão mais rigorosa que o estupro contra menores de 18 anos e maiores de 14 anos (art. 213). Isso reflete o entendimento de que, na vulnerabilidade absoluta, o risco de lesão à integridade física, psicológica e moral da vítima é mais severo, justificando uma resposta penal mais dura.

Além disso, tanto no estupro de vulnerável quanto no estupro de menores entre 14 e 18 anos, a pena é aumentada significativamente quando da conduta resultar lesão corporal grave, podendo atingir até 20 anos de reclusão. Se do estupro resultar a morte da vítima, a pena é elevada para 12 a 30 anos de reclusão, conforme a gravidade do resultado.

4. Presunção Absoluta de Violência no Estupro de Vulnerável

A jurisprudência tem consolidado a aplicação da presunção absoluta de violência nos casos de estupro de vulnerável. O STJ, ao interpretar o artigo 217-A, estabeleceu que, ainda que haja consentimento da vítima ou mesmo um relacionamento amoroso entre ela e o acusado, isso não afasta a tipicidade do crime.

No HC 598.051/SC, o STJ reafirmou que a vulnerabilidade da vítima é presumida de maneira absoluta quando se trata de menores de 14 anos, sendo desnecessária a prova de violência real ou ameaça. No entanto, há situações em que se discute a possibilidade de relativizar essa presunção, como nos casos em que a vítima aparenta uma idade superior ou possui maturidade física ou emocional.

5. Erro de Tipo: A Falsa Percepção da Idade da Vítima

Um ponto de controvérsia que surge frequentemente na jurisprudência é o erro de tipo quanto à idade da vítima no estupro de vulnerável. Em alguns casos, o acusado pode alegar que acreditava sinceramente que a vítima era maior de 14 anos, sendo essa falsa percepção relevante para afastar o dolo do agente, conforme o artigo 20 do Código Penal.

Contudo, a defesa de erro de tipo exige uma prova robusta, de modo que a alegação de desconhecimento da idade não seja meramente especulativa. A jurisprudência do STJ reconhece a possibilidade de erro de tipo quando o acusado se baseia em elementos objetivos, como documentos falsificados apresentados pela própria vítima ou o comportamento desta, desde que essa falsa impressão seja crível e justificada pelas circunstâncias do caso.

No julgamento do REsp 1.541.491/RS, o STJ acolheu o argumento de erro de tipo quando ficou demonstrado que a vítima apresentava uma aparência física e uma maturidade incompatíveis com sua idade real, o que afastou a condenação por estupro de vulnerável. Contudo, ressalta-se que tal entendimento é exceção, sendo aplicado em casos específicos.

6. Conclusão

A distinção entre o estupro praticado contra menores de 18 anos e maiores de 14 anos, e o estupro de vulnerável, é crucial tanto para o correto enquadramento das condutas quanto para a dosimetria das penas. O tratamento mais severo conferido ao estupro de vulnerável decorre da presunção absoluta de violência, enquanto, no estupro de menores entre 14 e 18 anos, o consentimento pode ser considerado na análise, desde que não esteja viciado por violência ou grave ameaça.

Ainda, o erro de tipo quanto à idade da vítima é um tema que suscita debates na doutrina e na jurisprudência, especialmente pela dificuldade em comprovar a falsa percepção da idade, cabendo ao acusado a tarefa de demonstrar, de maneira inequívoca, as circunstâncias que justificaram o erro.

Portanto, o aprofundamento técnico sobre essas infrações é fundamental para a correta aplicação da lei penal, de modo a garantir a efetiva tutela dos direitos das vítimas e a justa responsabilização dos infratores, sempre em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção integral de crianças e adolescentes.

 

Por: Dr. Paulo Marcos de Moraes
Advogado Criminalista Especialista em Direito Penal Econômico

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Proprietário Paulo Moraes Advogados

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