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Assunto: Análise Jurídica da Cobrança de Comissão em Negócios Financeiros Sob a Ótica do Art. 8º da Lei 7.492/1986

 

1. Introdução:

Este parecer técnico tem por objetivo examinar, à luz da legislação vigente, a prática de empresas que, na condição de intermediárias em operações financeiras, como consórcios e financiamentos, efetuam a cobrança de taxas de corretagem ou de assessoria financeira, sem prévia anuência das instituições financeiras ou das administradoras de consórcios. O enfoque será a conformidade dessas práticas com o disposto no artigo 8º da Lei 7.492/1986, que disciplina os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, sobretudo a exigência indevida de remunerações em operações de crédito e consórcio.

2. Enquadramento Legal:

O artigo 8º da Lei 7.492/1986 preceitua:

“Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários:
Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

O dispositivo legal visa proteger a integridade do Sistema Financeiro Nacional, garantindo que as operações envolvendo crédito, consórcios, serviços de corretagem e demais operações financeiras sejam realizadas dentro dos parâmetros estabelecidos pelo legislador e sob a supervisão dos órgãos reguladores, em especial o Banco Central do Brasil. Qualquer exigência de remuneração extra, que ultrapasse o que foi previamente acordado ou autorizado, caracteriza uma violação às normas de ordem pública que regem o setor financeiro.

3. Sujeitos Ativos e Passivos:

O sujeito ativo do delito tipificado no art. 8º da Lei 7.492/1986 é, em regra, aquele que, sem base legal, exige remuneração em operações financeiras. No caso em tela, as empresas que, sob a alegação de prestação de consultoria financeira, exigem comissões não previstas contratualmente, se enquadram como os potenciais autores do delito.

O sujeito passivo é, por outro lado, o Sistema Financeiro Nacional, que tem como um de seus pilares a credibilidade e a regularidade das operações financeiras, e o consumidor final, que é lesado quando é compelido a pagar por serviços não pactuados e não autorizados pelos órgãos reguladores.

 

4. Bem Jurídico Tutelado:

O bem jurídico tutelado pela norma é a higidez do Sistema Financeiro Nacional e a confiança que a sociedade deposita nas instituições que o integram. A regularidade das operações financeiras e a proteção do consumidor contra práticas abusivas são elementos centrais da proteção legislativa, visando evitar o desvirtuamento do mercado e garantir um ambiente estável e previsível para os negócios. Conforme ensina o professor Eugênio Raúl Zaffaroni, “a regulação penal das atividades econômicas busca proteger o bem maior da confiança social nas instituições financeiras e econômicas” (ZAFFARONI, 2015).


5. Crime de Perigo Abstrato:

O delito previsto no art. 8º é caracterizado como um crime de perigo abstrato. Neste tipo de infração, a mera conduta de exigir remuneração indevida em operações financeiras já é considerada lesiva à ordem econômica e ao Sistema Financeiro Nacional, independentemente de comprovação de dano material concreto. Assim, basta que a conduta seja apta a criar o risco ao bem jurídico protegido para que se configure o ilícito penal, o que reforça o caráter preventivo da norma.

Conforme destaca Cezar Roberto Bitencourt, “nos crimes de perigo abstrato, a simples conduta do agente é suficiente para tipificar o crime, não sendo necessário que ocorra um resultado lesivo efetivo, pois a própria ação já representa uma afronta ao bem jurídico tutelado” (BITENCOURT, 2019).

 

6. Análise Sob a Ótica da Imputação Objetiva:

Sob a perspectiva da teoria da imputação objetiva, desenvolvida por Claus Roxin, o agente deve, para ser penalmente imputado, criar um risco juridicamente desaprovado e relevante ao bem jurídico protegido. No caso em questão, as empresas que exigem comissões indevidas sem autorização, ao desrespeitarem as normas do Banco Central e os contratos formalmente estabelecidos, geram um risco não permitido ao Sistema Financeiro.

Roxin, em sua obra sobre imputação objetiva, argumenta que “a ação do agente deve ser analisada quanto à criação de um risco relevante e proibido, apto a afetar o bem jurídico tutelado” (ROXIN, 2006). Nessa linha, a exigência de remuneração não pactuada insere-se claramente em um contexto de risco não permitido que afeta a confiança no sistema econômico.

 

7. Cegueira Deliberada e Dolo Eventual:

A prática das intermediadoras de consórcio também pode ser compreendida à luz da teoria da cegueira deliberada, na qual o agente, conscientemente, opta por ignorar a ilicitude de sua conduta. Ao ignorar deliberadamente a necessidade de autorização regulatória, as empresas intermediadoras assumem o risco de estarem incorrendo em crime, configurando, assim, o dolo eventual.

Segundo a doutrina de Fernando Capez, “a cegueira deliberada caracteriza-se quando o agente, apesar de consciente da possibilidade de sua conduta ser ilícita, deliberadamente se mantém ignorante para evitar responsabilidades, o que não afasta o dolo” (CAPEZ, 2020).

 

8. Competência Jurisdicional:

A competência para investigar e processar crimes contra o Sistema Financeiro Nacional é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal de 1988. Este dispositivo confere à Justiça Federal a competência para julgar crimes que afetem bens, serviços ou interesses da União, como é o caso do Sistema Financeiro, que está sob a supervisão do Banco Central do Brasil.

Adicionalmente, cabe ao Banco Central, como órgão regulador, a fiscalização sobre as operações de consórcio e a imposição de sanções administrativas às empresas que atuem sem a devida autorização.

 

9. Doutrina Aplicável:

Luciano Anderson de Souza e Marina Pinhão Coelho Araújo, ao discorrerem sobre o crime previsto no art. 8º da Lei 7.492/1986, ressaltam que a legislação visa proteger a confiança no mercado financeiro e impedir que os consumidores sejam onerados indevidamente. Para os autores, “a exigência de comissões fora dos termos pactuados desequilibra as relações contratuais e cria incertezas no mercado, violando a ordem econômica” (SOUZA; ARAÚJO, 2019).

 

10. Conclusão:

Conclui-se, à luz do exposto, que a cobrança de comissões ou taxas que não tenham previsão nos contratos de consórcio, sem a devida anuência das administradoras e autorização dos órgãos reguladores, configura crime contra o Sistema Financeiro Nacional, tipificado no art. 8º da Lei 7.492/1986. Tal prática compromete a transparência nas operações, impõe ônus indevido ao consumidor e subverte a fiscalização exigida pelas autoridades competentes.

A atuação proativa dos órgãos de fiscalização e da Justiça Federal é essencial para a repressão dessas condutas, protegendo o bem jurídico fundamental, que é a integridade do Sistema Financeiro Nacional, e restabelecendo a segurança jurídica nas operações de consórcio.

 

Referências Bibliográficas:

– BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2019.
– CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2020.
– NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado.  São Paulo: Forense, 2020.
– ROXIN, Claus. A Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
– SOUZA, Luciano Anderson de; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito Penal Econômico: Leis Penais Especiais. São Paulo: Saraiva, 2019.
– ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

Paulo Moraes

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