- Guarda Compartilhada: Análise Técnica e Implicações Jurídicas
A guarda compartilhada, prevista no ordenamento jurídico brasileiro, tem como objetivo assegurar que ambos os genitores exerçam a responsabilidade parental de forma conjunta, mesmo após a dissolução da convivência matrimonial ou união estável. Instituída pela Lei nº 13.058/2014, esta modalidade passou a ser a regra, com o intuito de garantir o melhor interesse do menor, promovendo uma convivência equilibrada e a participação ativa de ambos os pais em sua vida.
- 1. Conceito e Fundamentos Legais
Nos termos do artigo 1.583, §1º, do Código Civil, a guarda compartilhada consiste na “responsabilização conjunta e no exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.” Diferentemente da guarda unilateral, onde apenas um dos genitores é o responsável pela criação e decisões da criança, a guarda compartilhada distribui essas responsabilidades entre ambos os pais.
É importante destacar que o conceito de guarda compartilhada abrange tanto a custódia legal quanto a física, significando que ambos os pais devem tomar decisões relevantes para o desenvolvimento do filho de forma conjunta, como educação, saúde e lazer. A fixação de guarda compartilhada é, em regra, aplicada mesmo quando não há acordo entre os pais, desde que ambos estejam aptos ao exercício do poder familiar.
2. Guarda Compartilhada vs. Guarda Alternada
Um equívoco comum é confundir a guarda compartilhada com a guarda alternada. Na guarda compartilhada, há um consenso entre os genitores sobre as decisões da criança, ainda que um deles passe mais tempo com o menor. Já a guarda alternada, por sua vez, implica a alternância periódica de custódia física e jurídica, o que significa que, enquanto a criança estiver sob os cuidados de um genitor, este terá total autonomia sobre as decisões durante aquele período.
Essa distinção é fundamental, pois a guarda alternada, além de causar possíveis instabilidades para o menor, não promove a cooperação constante entre os genitores. O ideal, conforme assinalado no Enunciado 604 da VII Jornada de Direito Civil do CJF, é que a divisão de tempo entre os pais na guarda compartilhada se atenha ao melhor interesse da criança, sem implicar em uma divisão rígida e matematicamente igualitária.
3. Domicílio e Convivência
Uma questão controvertida na guarda compartilhada é a fixação do domicílio da criança. O §3º do artigo 1.583 do Código Civil estabelece que, na guarda compartilhada, a cidade base de moradia do filho será aquela que melhor atenda aos seus interesses. Apesar disso, parte da doutrina, como a jurista Maria Berenice Dias, defende que, para que o instituto da guarda compartilhada se concretize plenamente, seria ideal que o menor tivesse dois lares, dividindo-se equitativamente entre os pais.
No entanto, a prática judiciária majoritária tem seguido a linha de fixar um lar principal, por entender que a criança necessita de um ambiente estável e de referência. A jurisprudência, conforme decisões dos tribunais estaduais, corrobora essa visão, especialmente em casos onde um dos genitores apresenta melhores condições para atender às necessidades imediatas do menor, como observado no julgamento do TJ-MG (AC: 10324160023648001).
4. A Fixação de Alimentos na Guarda Compartilhada
A definição de alimentos na guarda compartilhada merece especial atenção. A guarda compartilhada não exclui, por si só, a obrigação alimentar. A determinação dos alimentos será pautada no trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade. Se um dos genitores possui maior capacidade financeira, é razoável que ele arque com maior parte das despesas, ainda que o tempo de convivência seja equilibrado.
O Enunciado 607 do CJF reflete essa premissa, e a jurisprudência nacional tem reiteradamente afirmado que a guarda compartilhada não exime automaticamente o genitor do pagamento de pensão alimentícia. Em alguns casos, todavia, quando o filho passa a maior parte do tempo com um dos genitores, admite-se a exoneração temporária do encargo alimentar, como decidido pelo TJ-RS (AC: 70078800125).
- 5. Descumprimento das Obrigações e Multas
Outro aspecto relevante é o descumprimento das obrigações inerentes à guarda compartilhada, como o não cumprimento do regime de visitas. O artigo 536 do Código de Processo Civil de 2015 prevê a possibilidade de aplicação de multa coercitiva para garantir o cumprimento das decisões judiciais, inclusive no que tange ao direito de visitas.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou favoravelmente à aplicação dessa medida coercitiva em relações de guarda e visitas, como forma de assegurar a convivência do menor com ambos os genitores e promover o cumprimento de um direito fundamental da criança ou adolescente.
6. Viagens e Decisões Cotidianas
Por fim, outro ponto de grande relevância diz respeito à autorização para viagens e outras decisões que demandam consenso entre os pais. Na guarda compartilhada, a tomada de decisões deve ser conjunta, o que pode gerar conflitos em situações de divergência entre os genitores. Contudo, a jurisprudência tem adotado o entendimento de que, em casos urgentes, um dos pais pode solicitar ao juiz uma autorização especial, desde que comprovado o interesse do menor.
Conclusão
A guarda compartilhada representa um avanço significativo nas relações familiares, buscando assegurar que o menor mantenha uma convivência harmoniosa e equilibrada com ambos os pais, mesmo após a separação. Embora existam desafios práticos, especialmente no que diz respeito à fixação do domicílio e à gestão do tempo de convivência, o instituto da guarda compartilhada reflete a proteção dos direitos da criança, promovendo o seu melhor interesse e o compartilhamento equitativo de responsabilidades.
A análise criteriosa de cada caso, o respeito ao princípio da razoabilidade e o foco na cooperação entre os genitores são fundamentais para o sucesso da guarda compartilhada, que tem se consolidado como a modalidade preferencial no direito de família contemporâneo.