Paulo Moraes Advogados

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD): EVOLUÇÃO E ANÁLISE TÉCNICA

Introdução   O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) representa uma modalidade especial de cumprimento de pena no sistema prisional brasileiro, instituído como uma resposta ao controle de presos considerados altamente perigosos ou que comprometem a segurança do sistema penitenciário. O RDD foi introduzido pela Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984) e tem sido objeto de diversas alterações, a mais significativa delas promovida pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”. Esta modalidade busca isolar presos que representam um risco significativo à ordem prisional ou à sociedade.   Este artigo apresenta a evolução histórica do RDD, as regras estabelecidas para sua aplicação, e discute os impactos e questionamentos jurídicos que cercam o regime, incluindo a interpretação do Enunciado 693 do STJ.   Evolução Histórica do RDD   O RDD foi criado como uma resposta direta ao aumento do poder das organizações criminosas dentro do sistema penitenciário brasileiro, especialmente na década de 1990, quando facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) ganharam destaque. O objetivo era isolar líderes e membros dessas facções, minimizando sua capacidade de comandar crimes a partir do interior das prisões.   Inicialmente, o RDD foi alvo de críticas, tanto de organismos internacionais de direitos humanos quanto de juristas brasileiros, que apontavam possíveis violações às garantias fundamentais dos presos, como a proibição de tratamento desumano ou degradante e a preservação do direito à convivência familiar.   A Lei nº 10.792/2003 formalizou o RDD na legislação brasileira, fixando regras para sua implementação, incluindo o isolamento em cela individual, a limitação de visitas, e a fiscalização das correspondências. Posteriormente, a Lei nº 13.964/2019 ampliou o escopo do RDD, tornando-o mais rigoroso, especialmente no contexto do combate ao crime organizado e milícias.   Características do RDD   O artigo 52 da Lei de Execuções Penais estabelece as bases normativas do RDD. As principais características desse regime incluem:   1. Duração: O RDD pode ser aplicado por um período de até dois anos, prorrogável por sucessivos períodos de um ano, desde que haja justificativa baseada no comportamento do preso ou em suas ligações com organizações criminosas.   2. Isolamento: O preso cumpre a pena em cela individual, com fiscalização rígida de suas comunicações e correspondências. As entrevistas, exceto com o defensor, são monitoradas em instalações que impedem o contato físico.   3. Banho de Sol e Interação: O direito ao banho de sol é restrito a duas horas diárias, em grupos de até quatro presos, desde que não haja contato com indivíduos do mesmo grupo criminoso.   4. Visitas: As visitas são quinzenais, com limite de duas pessoas por vez e duração máxima de duas horas, sendo vedado o contato físico e a passagem de objetos. As visitas são monitoradas por áudio e vídeo.   5. Audiências por Videoconferência: O RDD prevê, preferencialmente, a participação do preso em audiências judiciais por videoconferência, medida que visa aumentar a segurança e diminuir os riscos de fuga ou interferência externa.   Aplicação e Sujeitos do RDD   O RDD pode ser imposto a qualquer preso que atenda a uma das seguintes condições:   – Prática de crime doloso dentro do estabelecimento prisional que cause subversão da ordem ou disciplina internas.   – Apresentar alto risco à segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.   – Suspeitas fundadas de envolvimento ou participação em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.   O “Pacote Anticrime” introduziu novas situações em que o RDD pode ser aplicado, ampliando seu alcance para incluir presos estrangeiros e aqueles que lideram ou integram organizações criminosas com atuação em diferentes estados do país. Essa mudança visa combater com maior eficácia o crime organizado, especialmente em sua dimensão transnacional.   O Enunciado 693 do STJ   O Enunciado 693 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trata especificamente da aplicação do RDD, afirmando que “o regime disciplinar diferenciado é compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, desde que sejam observadas as garantias legais e constitucionais do preso”. Esse enunciado reflete uma posição de equilíbrio entre a necessidade de preservar a segurança pública e a manutenção dos direitos fundamentais dos indivíduos, mesmo em situações de isolamento extremo como no RDD.   Apesar de sua legalidade, o STJ ressalta que a aplicação do RDD deve ser feita com estrita observância às normas de direitos humanos, evitando abusos que possam configurar tratamentos desumanos ou cruéis. O regime, portanto, deve ser uma medida excepcional, aplicada somente quando absolutamente necessário para a manutenção da ordem pública.   Aspectos Controversos e Críticas   O RDD tem sido objeto de controvérsia, tanto no meio jurídico quanto entre defensores dos direitos humanos. Algumas das principais críticas incluem:   – Isolamento Prolongado: O isolamento contínuo e a limitação de visitas são apontados como medidas que podem agravar problemas psicológicos nos presos, levando a situações de tortura psicológica ou alienação social.   – Monitoramento de Visitas: A gravação das visitas, embora necessária para a segurança, é vista como uma violação ao direito à privacidade, especialmente quando há interferência no contato familiar.   – Risco de Prorrogação Indefinida: A possibilidade de prorrogação sucessiva do RDD, com base em critérios subjetivos como o “alto risco para a ordem”, gera preocupações quanto à arbitrariedade na aplicação desse regime.   CONCLUSÃO   O Regime Disciplinar Diferenciado tem se mostrado um instrumento eficaz no combate ao crime organizado, especialmente dentro do sistema prisional brasileiro, onde facções criminosas exercem grande influência. No entanto, sua aplicação requer um cuidado rigoroso para garantir que não haja violação aos direitos fundamentais dos presos. A jurisprudência do STJ e as disposições trazidas pela Lei nº 13.964/2019 buscam equilibrar a necessidade de segurança com o respeito às garantias constitucionais, porém, o debate sobre a adequação e os limites do RDD continua a ser relevante no cenário jurídico brasileiro.

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